“In Extremis” (189) – Um vereador em arruaças?  

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“Estamos diante do ‘silêncio dos bons’. E esse deserto de atitudes tem permitido a ascensão da mediocridade e do aventureirismo.” (imagem: Engin Akyurt / Unsplash)

Ainda atualmente – e desde a Grécia clássica – discutem-se o significado e a constituição das democracias. O tema é complexo demais já que, em resumo, sua essência é a liberdade humana. E esta – se não entendida conexa à responsabilidade – pode, facilmente, descambar para a licenciosidade. Em especial na área política, isso ocorre quando as mais lúcidas lideranças – com a displicência popular – adormecem ou silenciam. Lembremo-nos da advertência de Martin Luther King, esse mártir da liberdade: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. 

As principais instituições transnacionais estão seriamente preocupadas com o que já se reconhece sejam indícios da “morte das democracias”. A inadmissível ascensão do neofascismo anuncia a repetição de tragédias de um passado não tão distante. E já se constata o que se chama “ignorância ideológica”, que envolve pessoas ressentidas, sem horizontes. Universidades alertam não mais tratar-se de golpes através de fuzis e baionetas. A tirania, como já ocorreu antes, instala-se pelo voto, por eleições. Aconteceu com Hitler, com Orban na Hungria, com Chaves na Venezuela, em diversos países. E quase ocorreu com Bolsonaro no Brasil.

Tais tragédias ocorreram a partir do “silêncio dos bons”. E, também, da cumplicidade de lideranças civis que aceitaram e acolheram a “retórica do ódio”, por temor ao falso fantasma do comunismo. Até João Goulart – um dos principais latifundiários do país – foi derrubado do poder, tachado de comunista! Quando ódio e ignorância ideológica se conjugam, tudo pode acontecer.

Em meu dever de idoso jornalista, preocupo-me primacialmente com e por Piracicaba. Nossa terra, nosso lar, nossa casa comum. Há que, sem receios, constatar a fragilidade de comandos civis e políticos. Estamos diante do “silêncio dos bons”. E esse deserto de atitudes tem permitido a ascensão da mediocridade e do aventureirismo. E da violência contra as instituições como acaba de ocorrer com um certo vereador – cujo nome recuso-me a citar – que se revela, agora, mais arruaceiro do que legislador.

É um ignorante ou alguém cruell? O presidente da Câmara Municipal, Gilmar Rotta – homem reconhecidamente equilibrado e responsável – não pode silenciar-se quando um dos seus pares sai às ruas para comandar, convocar e estimular arruaças contra a democracia. Não há direito que permita fazê-lo. Tratou-se de um atentado à Constituição e, portanto, aos valores democráticos. E nem mesmo é válido argumentar tenha sido, a dele, atitude enquanto simples cidadão. Pois a ninguém é lícito pregar violações democráticas sem prestar contas à lei. A condição de vereador permanece em qualquer lugar público em que o eleito esteja. Logo, um legislador atentar contra a lei é um absurdo que caracteriza consciente violação à paz social.

Tal vereador tem sido porta-voz e militante daquilo mais odioso que esse país conheceu a partir de campanhas e pregações ditatoriais. Atreveu-se, ele, a propor título de cidadania piracicabana a Olavo de Carvalho, astrólogo que disseminou teorias e práticas totalitárias no Brasil. Olavo foi de tal forma repudiado que se mudou do país. E, mesmo assim, disseminou o famigerado Orvil (o livro, com letras de trás para frente) idealizado por militares da ditadura. A família Bolsonaro teve-os – o astrólogo e o livro – como guru e orientador.

Não há direito à liberdade de expressão para atentar-se contra a democracia. Em Piracicaba, choca-se o “ovo da serpente”. É preciso enfrentá-lo, mesmo em se tratando de lastimável ignorância ideológica.

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