A face sombria da cana.

Criou-se um clima de euforia. E justificado. O momento é de entusiasmo em Piracicaba, onde, ainda outra vez em nossa história, a vocação canavieira abre horizontes amplos para o município. Podemos falar em alguns ciclos da cana em nossa caminhada, todos eles trazendo-nos benefícios e riquezas mas, também, problemas sociais que nunca, na verdade, foram de inteiro resolvidos. O plantio da cana tem marcas universais, deixando rastros perversos por trás dos passos das riquezas e da fortuna.

O Nordeste, primeiro, São Paulo depois, a cana de açúcar é uma das riquezas nacionais desde o Império. Piracicaba – com Mário Dedini, Pedro Ometto, Pedro Morganti e seus sucessores -gera um ciclo novo no Brasil, a indústria que se tonaria a sucro-alcooleira, tendo a Esalq como parceira admirável. Toda uma tecnologia nasce dessa história,revolucionária até chegar ao biocombustível, o álcool passando a ser uma das grandes esperanças energéticas do Brasil, desfalecendo com a desativação do Proálcool, retornando com ímpeto nesse novo boom que desperta o mundo. Há razões, pois, para toda a euforia. No entanto…

Trata-se do lado sombrio da cana, dessa esteira de pobreza, de conflitos sociais, até mesmo de miséria que ela deixa não por razão de seu cultivo, mas pela imprevidência sócio-política. Piracicaba deve ter-se esquecido, mas já nos anos 1950, homens de visão, políticos sérios e preocupados advertiam para problemas que surgiam e que se expandiam: a monocultura despertando ambições que menosprezaram outras culturas agrícolas, necessárias à alimentação; o inchaço da cidade, a favelização, a violência, o drama dos cortadores de cana, muito antes de serem chamados de “bóias frias”. Um vereador – e justiça se lhe faça – Mário Stolf, propunha, com urgência, Piracicaba criasse o seu “cinturão verde”, um cinturão agrícola em que se estimulassem as principais culturas. Alguns anos depois, Dovílio Ometto tentou criar um condomínio de chácaras, nas proximidades do Ceagesp, para estimular a lavoura. E não deu certo.

Cana e a questão social caminham juntas. O chamado “ouro verde” traz, indubitavelmente, riquezas e desenvolvimento. Com o biocombustível, os tempos se tornam alvissareiros, especialmente diante das anunciadas parcerias com os Estados Unidos. Há, no entanto, que se lembrar de que países não têm amizades, mas interesses. A fortuna da cana foi, em outros tempos, o ciclo dourado da borracha, o surgimento do esplendor amazônico, a Fordlãndia. E tudo terminou quando nossas sementes foram-se embora, outras tecnologias nos superaram e nada nos sobrou senão, após a euforia, chorar pelo leite derramado. Ora, qual o tempo mínimo que nos resta antes de os Estados Unidos nos suplantarem largamente nessa tecnologia que, agora, lhes parece ser tão diferenciada?

Que saibamos tirar lições dessa nova grande oportunidade, mas, também, dos infortúnios passados. À face luminosa da cana, contrapõe-se a face sombria.

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