O sexólogo Lula.

É plena de sabedoria a historieta que permitiu surgisse a expressão também sábia: “Não vá, o sapateiro, além das sapatas.” Ocorrera, conforme a narrativa, que um sapateiro começou a apreciar o trabalho de um grande pintor, uma figura humana. Em dado momento, o sapateiro percebeu que havia um erro na pintura da reprodução das sandálias do homem na pintura. O pintor acolheu a sugestão, concordou com ela, corrigiu. Mas o sapateiro não se deu por contente e começou a analisar outros detalhes da pintura, as cores, a forma. Então, o pintor o aconselhou: “Sapateiro, não vá além das sapatas.” Era do que ele sabia.

O Presidente Lula é o legítimo chefe do governo da República, a nossa máxima autoridade. Com ele, o Brasil caminha, sem mais dúvidas, para consolidar o nosso destino desenvolvimentista, mas harmonioso. Não se trata apenas de Lula, mas de um projeto e de um projeto, de uma vocação nacional. Lula, no entanto, é o homem providencial para esse momento realmente importante, por ser de confiança das grandes multidões e das massas sofridas que, com ele e nele, vêem aumentadas as suas expectativas e alimentadas as esperanças. No entanto, alguém precisa convencer o Presidente Lula de que ele, como o sapateiro da historieta, não deve ir além das sapatas de seu governo. A questão moral, a sexualidade humana não são apenas questões de saúde pública, conforme Lula, transformado agora em sexólogo, tenta apregoar. E ensinar.

Não há pais de família que não estejam preocupados com a sexualidade de filhos adolescentes. Sempre foi assim. E, agora, de maneira mais complexa diante da banalização sexual e de sua transformação em puro genitalismo. Ora, é muito simples – ainda que necessário nesse momento dramático – que os pais aconselhem os filhos ao uso da camisinha e da pílula anteconpetiva. Mas é, apenas, uma questão emergencial, conjuntural e não, como Lula tenta apregoar, estrutural e sábia. A promiscuidade sexual está nas raízes da grave questão. E, com ela, a banalização do sexo e o afrouxamento de controles que, bem ou mal, as famílias e as escolas exerciam até algumas décadas.

É meia-verdade, essa do presidente Lula, de que vivemos a hipocrisia, recusando-nos a orientar os filhos para o uso da camisinha. A verdade-verdadeira é que temos sido covardes no enfrentamento do problema, na análise das dificuldades, no enfrentamento ao hedonismo descontrolado que se transformou em poderoso valor econômico, na exploração do sexo, do amor, das relações íntimas e, portanto, da vida dos jovens. Ora, é decente, honesto e verdadeiro que uma sociedade madura ensine seus adolescentes que a adolescência ainda não é hora de uma vida sexual ativa. É hora de iniciação, é hora de rituais de transição. Pois sexo implica, antes de mais nada, responsabilidade. Quando Lula fala de crianças fazendo sexo, ele está desvelando uma tragédia social, não uma realidade.

A questão é grave, de profundas raízes filosóficas, teológicas, psicológicas, do conhecimento humano. Por isso mesmo, não pode continuar sendo objeto de palpites ou de achismos, mesmo que de um presidente da República simpático e amado. Ou até mesmo por causa disso. Como situação emergencial, de gravidade vital, é óbvio que precisamos orientar os jovens ao uso da camisinha. Mas uma sociedade madura, adulta, séria começaria mostrando, aos adolescentes, porque não é hora, ainda, para eles do exercício e da autonomia da vida sexual. Esta pressupõe maturidade. E, portanto, responsabilidade.

Se um adolescente pode “fazer sexo” deixando as conseqüências à sociedade, eis aí um bom motivo para começar a determinar a maioridade penal dele. Fez sexo? Então, já é “de maior”. Para Lula pensar.

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