Saia justa em Piracicaba: “Cansei!”

Ora, é óbvio que estamos, todos nós, cansados de tanta corrupção, de tantas malandragens, sujeiras e espertezas. A filosofia do “rouba mas faz”, do “é preciso levar vantagem sempre”, do “não presta mas é competente” – isso tudo chegou a tal extremo de saturação que ninguém mais suporta ou aceita. Nem mesmo o mais simples homem do povo. Ou o mais fiel dos crédulos de igrejas pentecostais. Até bispos e pastores são desmoralizados quando o óbvio se torna óbvio demais.

A campanha “Cansei!” – e o “Cansamos!” – que começa a correr o Brasil, contra a corrupção e os escândalos sem fim, é a mais divertida das arapucas jamais criadas neste país, desde o movimento que antecedeu o golpe militar, aquela marcha “da Família”, por Deus, quem mais se lembra daquilo? Resultou em tragédia e o golpe foi o do bumerangue, que vai e volta. Contra a corrupção, elevou novos corruptos.

É ótimo, é fantástico, é verdadeiro: “Cansei!” Na verdade, “Cansamos!” O protesto e a iniciativa da OAB de São Paulo são dignos de toda a história passada dos advogados e intelectuais e acadêmicos e jornalistas. A OAB saiu, novamente, heroicamente à frente de uma grande luta pela moralidade pública. E deve ser aplaudida e deve ser prestigiada. No entanto, há questões incendiárias em pauta, confusões postas, desafios colocados – e isso é bom, por ser, também, desnudante, revelador, até mesmo humilhante na purificação que pode ser feita.

Ora, até aqui, pensa-se que o “Cansei!” – e o “Cansamos!” – é, apenas, um movimento político em oposição ao Presidente Lula e ao PT. Se fosse isso, a OAB fez o jogo errado, pois a corrupção se espalha, também, por onde se instalou o PSDB, o antigo PFL, todos os partidos. O “Cansei!” é um brado nacional e, portanto, a OAB arrasta e envolve todas as suas sub-secções, irradia-se através de todas as instituições, entidades, grupos e pessoas que, realmente, estiverem cansadas e saturadas da corrupção. E surge o grande problema: e daí? E em Piracicaba?

Barjas Negri e ACM Thame, os deputados Felício e Moraes poderão, realmente, participar do movimento “Cansei?” E as igrejas cristãs – desde a Católica à Metodista, passando por Assembléia de Deus, Universal, Renascer – poderão, em Piracicaba, protestar e anunciar esse cansaço, se não se manifestarem contra o que acontece na paróquia, na província? A secção da OAB, em Piracicaba, poderá dizer desse “Cansei!”, se não protestar e revelar seu cansaço também contra procuradores do município silenciosos diante de, no mínimo, suspeitas e indícios de canalhices em Piracicaba? E as nossas associações – industriais e comerciais e de serviços – que se rebelarem contra a corrupção nacional, o cansaço de tanta malandragem e canalhices, como é que elas haverão de ignorar o que ocorre aqui, por aqui? E a imprensa de Piracicaba, toda a imprensa, incluindo cronistas, colaboradores, assessores, diretores, editores: o cansaço diante de Brasília nada tem a ver com Piracicaba?

Foi armada uma arapuca nacional. Pelo menos aqui em Piracicaba, ninguém – absolutamente ninguém, a não ser otários e idiotas – poderá protestar contra a corrupção nacional, nem alegar cansaço diante da sujeira total, se não tiver honestidade e coragem cívica de denunciar a corrupção local. Ou será admissível entender que um bispo – ou um empresário, um jornalista, um intelectual, um simples escrevinhador – esbraveje contra a corrupção em Brasília e silencie diante da sujeira em seu próprio quintal?

Ora, convenhamos. A OAB criou arapuca e, aqui, a saia é justa. Ou não?

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