Lembranças de um velho aldeão (2) – Eram dourados e não sabíamos

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“Mas – ai, o êxtase, o horror, o medo! – o homem chegou à Lua, pousando nela como um invasor.” (imagem: 0fjd125gk87, Pixabay)

Nunca soubemos o que aconteceu. Mas, logo após os horrores da II Guerra, o Olimpo resolveu espalhar suas maravilhas para um mundo suplicante por harmonia. E por esperança. Os deuses uniram-se aos homens, decididos, ao que parece, a ajudar-nos na descoberta de recompensas. Pareceu haver um propósito universal de romper com tristezas e, então, encontrar ou criar apenas alegrias. A bomba atômica despertou-nos a consciência de que viver poderia ser um instante. Pois qualquer governante louco, com um simples apertar de botões, exterminaria tudo. Era preciso, então, entender a Vida como bênção, privilégio e buscar fruir de seus encantos. Harmonizar-se com o plano da existência e, avidamente, sentir-se semelhante à e parte da natureza. Ser flor, ser passarinho, ser criança, ser ingênuo e malicioso ao mesmo tempo, amar sem tempo e lugar, contentar-se apenas com “um ranchinho e você, uma vela ao luar” – como cantavam Lucio Alves e Dick Farney.

Mas – ai, o êxtase, o horror, o medo! – o homem chegou à Lua, pousando nela como um invasor. O júbilo pela conquista da ciência sombreou-se com o temor pela perda do mistério. Por que perturbar os “daimons” que, em nossos sonhos, habitavam a Lua? Por que descobrir fosse apenas lenda a luta de São Jorge contra o dragão? Chegar à Lua trouxe-nos a consciência de uma realidade assustadora: éramos capazes, sim, de conquistar o espaço. Logo, poderíamos ser deuses, por que não? E o mundo mudou.

Os deuses pagãos insistiram – mesmo diante da audácia alucinada dos terráqueos – em lançar sementes geradoras de almas e espíritos notáveis. Sem que percebêssemos eles criaram os “anos dourados”, precursores ou anunciadores dos terríveis anos de chumbo que viriam depois. E para ficar. No mundo, a terra germinou uma seara de humanos diferenciados, frutos de uma lavoura santa. A Igreja, com o anúncio de sua “Primavera” real, presenteou o mundo com Joao XXIII. John e Jacqueline Kennedy arejaram a Casa Branca com beleza, arte e esplendor, tentando reinventar a Camelot do Rei Arthur. Elvis Presley sacudiu as ancas convidando ao rompimento de tabus. Os meninos ingleses, Beatles, incendiaram todos os quadrantes com irreverências e sedução.

No Brasil, Juscelino anunciou o sonho e realizou-o: conquistar o Oeste, construir Brasília. Saíamos das cercanias dos litorais e mergulhávamos no mistério do cerrado e das florestas. Os deuses da música encarnaram em Vinicius, em Tom, em João Gilberto e, num toque novo de violão, surgiu a bossa nova. E, com ela, os corais de anjos ocuparam os corpos de Bethânia, de Elis, de Roberto, de Chico, de Gil, de Caetano. O Brasil assistiu a uma sinfonia que desgraçadamente foi interrompida. Mas que é tesouro aguardando herdeiros dignos.

E Piracicaba, nossa “Noiva da Colina”, que tentam transformar numa tola e artificial RMP? Piracicaba, com Luciano Guidotti, tornou-se, por duas vezes, a cidade de maior progresso do Brasil. Fomos campeões mundiais de basquete, feminino e masculino, gratos aos nossos deuses da bola: Maria Helena, Heleninha, Wlamir, Pecente. E a De Sordi e Mazzola, o nosso Cuica que conquistou o mundo. Encantamos o mundo com nossa Escola de Música e a ESALQ revelou como se deve tratar a Terra com grandeza e sabedoria. O capiauzinho Nhô Quim conquistou os corações brasileiros. E a caipirinha, aqui nascida, foi eleita o verdadeiro aperitivo nacional. A mediocridade não tinha espaço para se impor. Era apenas medíocre. E nada mais.

O que houve? Os deuses cansaram-se ou foram expulsos por uma geração desinteressada?

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