Lembranças de um velho aldeão (1)     

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(imagem: Gordon Johnson, por Pixabay)

Não me recordo de ter ficado tantos e tantos dias sem escrever. Sempre entendi escrever e respirar tenham, para mim, o mesmo significado. Não há um sem o outro. E, na realidade, o que se chama inspiração nada mais é do que absorver, inspirar o que já existe. A vida expira, o homem inspira. A vida exala, o homem capta. Logo, a nossa deve ser a aventura diária de colher porções dos tantos milagres e mistérios soltos no ar. Apenas isso.

Houve, porém e também, uma crise. Outra. Pois dúvidas e incertezas atropelaram-se-me n´alma e na razão. Escrever… Para quê, para quem, por quê, o quê? Se o jornalismo é tão fundamental na vida das comunidades, como tem sido exercido? Ou será que, nas mudanças abruptas, a inércia substituiu a ação, a indiferença espantou a vigília? Estaríamos, por fim, robotizados, dirigidos pelo “Grande Irmão” prenunciado por Orwell? Pensar, refletir, questionar, agir, exercer a liberdade com responsabilidade, ter missão social, assumir posições definidas – cadê?

Próximo está, o escrevinhador, de seus 83 anos de idade. E isso significa ter vivido e conhecido as profundas transformações nestas décadas apressadas e nervosas. Não se deu tempo ao Tempo para a consolidação de realidades, tenham sido negativas ou positivas. Já nos chamaram de sociedade do cansaço, sociedade do medo, sociedade do descarte. A realidade, porém, está na perplexidade coletiva, na perda de horizontes, ausência de perspectivas diante de um lamentável imediatismo de viver. A pobreza do simples “hoje e agora” apagou lições de passado e esperanças de futuro. Ou não?

Tenho consciência do que foi o jornalismo até décadas recentes. Nada entendo, porém, desse caos de informação e comunicação que permite a ação de oportunistas ocupando espaços de importância vital. E, entre eles, também irresponsáveis que se contentam em propagar versões falsas ou equivocadas. O universo das comunicações está cobrando regras mais severas. Da mesma forma como a democracia não pode servir à sua própria destruição, a informação não admite ser usada para desinformar.

Pois bem. Próximo dos 83 anos, estou completando 67 anos de jornalismo em minha terra e entre minha gente. A dúvida, porém, judia de mim. E sufoca-me a necessidade vital de escrever. No entanto, hesito em identificar-me como jornalista. E mesmo como escritor. Não sou mais o que pensei estivesse sendo. Ou que tivesse sido. Sou, apenas, um estudante e entendo nunca ter sido mais do que isso. Aprendiz. Que recomeça dia a dia. Pois é preciso entender pelo menos algo que sirva de referencial, de recomeço. Ora, a verdade está e continua viva como que zombando de nós. “Olhem, tolos: estou aqui.” Nas lições da sabedoria popular, dos filósofos, dos antigos, dos jovens que encontram novas preciosidades.

Nestes dias de silêncio forçado e obrigatório, nuvens dissiparam-se ou as afastei dos olhos da alma. E penso ter entendido o que deva ser, agora, o jornalismo que, em minhas cerimônias de adeus, a vida me propõe e me oferece: o de narrador de lembranças. O de contador de histórias. O de pesquisador de tesouros escondidos nos baús do tempo. São quase sete décadas de ver, de ouvir, de aprender, de acompanhar, de errar, de acertar. E um fato estranho mas que me parece de um simbolismo até mesmo assustador: comecei quando Luciano Guidotti, nos 1950, trouxe, a Piracicaba, o esplendor político administrativo. E termino com outro Luciano, entre sombras. Viver é surpreendente.

Contar, apenas contar. Sei lá se apenas como lembranças ou como referencial ainda vivo.

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