Lembranças de um velho aldeão (3) – Quase deusas, belezas memoráveis

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(imagem de Amy Art-Dreams, por Pixabay)

Já se falava do desencantamento do mundo desde o século 19. E, no entanto, a frase de Dostoievski, profética e alentadora, nunca foi esquecida: “A beleza salvará o mundo.” E tem salvado. E continua salvando. Filosofar sobre o belo nunca teve sentido. Parece-me. Pois a beleza se impõe por si mesma. Num terreno áspero, baldio, uma simples flor consegue revelar o mistério insondável do belo. Por si mesma, a beleza resplandece.

Piracicaba sempre foi reconhecida também por suas belas e inteligentes mulheres. As jovens – em especial de famílias mais bem-postas – eram “casadoiras”. Ou “casadouras”. Ou seja: moças preparadas para o casamento. Que, aliás, era um dos objetivos da juventude: casar, ter filhos, constituir família. Era assim! E escolas davam ênfase à educação feminina para o lar. O Colégio Assunção, das freiras, era um modelo de excelência ao estilo de um tempo de normas rígidas que, no entanto – e já nos 1950 – se iam tornando discutíveis.

Para os rapazes, havia, porém, um problema em especial: os chamados “pardais”. Eram os estudantes da Agronomia, os agricolões, muitos deles filhos de fazendeiros, vindos de todos os rincões do país. Eram “pardais” porque “bicavam” no terreiro amoroso piracicabano e acabavam conquistando nossas belas e gentis donzelas. A mulher piracicabana, pois, colaborou para povoar o Brasil, ulalá!

Sempre foram belas, sim. E ainda são. E inteligentes, ativas. Neste nosso “fim-de-linha”, a miscigenação produziu frutos encantadores. E saborosos. De início, o índio, o negro, o português. A partir do século 19, com italianos, árabes, espanhóis, judeus, japoneses, pequenina síntese de um caleidoscópio étnico, racial. Felizmente, os “pardais” não conseguiram sequestrar todas as flores de nosso jardim. E o amor caipira prosseguiu em sua sina mágica de formar um povo de múltiplas e férteis sementes. Crescemos e multiplicamo-nos.

Ah! a beleza. Ah! Maria Júlia, Walkyria, lindas e benditas entre tantas mulheres. Se se falar em escultores de seres humanos, elas foram esculpidas com perfeição, obras impecáveis. Azar, pois, de quem acredita esteja, o escriba, exagerando. Ora, até agora, quem duvida dos encantos de Marilyn, da Lollobrigida, da Sophia Loren, da Bardot? Permanecem na memória tal o fascínio que despertaram. Aqui entre nós, Maria Júlia e Walkyria – ocupando capas de revistas, incensadas onde quer que estivessem – tornaram-se parte, à época, da magia que parecia embriagar Piracicaba.

Um episódio foi revelador dessa aura misteriosa que brindava aquela época. Graças a Francisco (Chico) Andia – que se casara com Walkyria – Piracicaba viveu anos de grande pioneirismo em relação ao cinema,  como arte e como casas de espetáculo. E os Andia – num coquetel que reuniu importantes veículos da imprensa paulista – recepcionaram a então celebradíssima atriz francesa Claudine Auger. Jornalistas e convidados cercavam-na de atenções e, também, com olhares cúpidos. Ela, Claudine, era, ao mesmo tempo, estrela e constelação.

Então, aconteceu. A anfitriã, Walkyria – que, propositalmente, se mantivera ausente – surgiu no alto da monumental escadaria da residência. Apenas surgiu. E foi como uma explosão, no coro de deslumbramento de todos. Ela estava com um vestido branco, inteiramente colado ao corpo, sei lá se de tricô, se de malha. Recortes ousados deixavam à mostra a pele cor de jambo, luminosa e fresca. Era a cor do pecado. Ou melhor: era o próprio pecado. E Claudine Auger ficou esquecida…

A beleza, então, era cultivada para encantar. E deslumbrava.

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