As grandes propriedades piracicabanas

Como eram os fazendeiros que habitavam o oeste paulista ainda no século XIX? Teria existido, na região de Piracicaba, alguma identidade especial que tenha deixado marcas desses líderes agrícolas, detentores de boa parte do poder nacional? Neide Marcondes, catedrática da UNESP, há anos vem se dedicando à pesquisa dos espaços de habitação e suas características no interior paulista, especialmente na região de Piracicaba e Itu. E, entre seus maiores trabalhos, destaca-se tese aprovada pela USP, ainda em 1981, sobre a arquitetura rural e o contexto histórico-cultural do século XIX, onde ela se debruça em análises de várias propriedades da região de Piracicaba, como a Fazenda São José do Milhã, Fazenda Pau D’Alho, Fazenda Boa Esperança, Fazenda Serra Negra, Fazenda Pakes, Chácara Nazareth, Fazenda Capuava, Engenho Central e Usina Monte Alegre, entre outras.

São fazendas que passam pelas mãos daqueles que também detiveram o poder. Como ela mesma lembra: “em 1878, constam das atas do Colégio Eleitoral da Capital de São Paulo para as eleições de senadores, os nomes do Conselheiro Antônio da Costa Silva Pinto, do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, do brigadeiro Luis Antônio de Souza, do Dr. José da Costa Carvalho e do brigadeiro Moura Lacerda, todos fazendeiros de Piracicaba”. Mas, ao contrário dos fazendeiros do Vale do Paraíba ou dos engenhos do Nordeste, trata-se de fazendeiros que nada têm de aristocrático, marcados pela vida simples das fazendas de café e de cana, em espaços rústicos apesar de possuírem grandes fortunas. A exceção mencionada pela pesquisadora é a Chácara Nazareth , “pelo requinte de seu padrão construtivo, o luxo na decoração dos espaços interno e externo se as soluções plásticas”.

 A Fazenda Milhã

Apontada como das mais antigas, a Fazenda Milhã pertenceu ao ituano Antônio Ferraz de Arruda. Situada no distrito de Saltinho, no eixo Piracicaba – Tietê, foi desmembrada da Sesmaria do Congonhal. A pesquisa, datada de 1981, informava que, àquela época, a fazenda contava ainda 540 alqueires, tendo mantido os traços de uma história em que o café começou a ser cultivado, em 1867. Desde então, a áreas e prestou ao café, cana e café ao mesmo tempo, algodão, novamente cana e, na década de 80Fazenda Milhã, casa-sede e depósito, pecuária.

A casa de morada, com mais de 150 anos, cujas paredes eram de taipa de mão, foi reformada em 1975, tendo perdido a ala direita para a zona de serviço: sala de queijos, despensa, cozinhas com forno e ralador. Segundo a pesquisadora, a morada da fazenda Milhã demonstra “os vínculos com as gerações anteriores, estando diretamente filiada à arquitetura tradicional bandeirista, mas não mais ortodoxa no planejamento original. A frente, localizam se salas, quartos, as alcovas e um corredor que leva à “varanda, espaço que na fase canavieira da região,se transformou em centro da atividade familiar: zona de comer, lazer, de mando, de estar e de trabalhar”.Ao lado da casa-sede, um depósito de arreios, ferramentas e móveis,que foi também destinado aos castigos dos escravos. Foram mantidas intactas as latrinas dos homens, elevadas,com divisões de madeiras, sem sistema de esgoto.

A Fazenda Pau D’Alho

 Pertencente, na década de 80, a Omir Dias de Moraes, a Fazenda Pau D’Alho localiza – se no eixo Piracicaba – Conchas, integrando, inicialmente, 2.500 alqueires de terra. Tendo como primeiro proprietário Manoel de Moraes Barros, que constituiu a propriedade a partir de várias pequenas aquisições, trata – se de um local onde se desenvolveu um programa mestiço de cana Fazenda Pau D’Alho, casa-sedepara o café. A descrição de Neide Marcondes é detalhada: à entrada, os restos da senzala; pela estrada de terra que leva à casa – sede, palmeiras imperiais. A casas e de tem estilo severo e roceiro, sem qualquer apuro plástico das sedes das residências rurais do Vale do Paraíba. As paredes foram constituídas de taipa de mão e parte de tijolões. Sala social, dois quartos na parte fronteiriça e mais dois quartos e varanda na parte posterior, que se comunica coma área de serviço e parte externa. Segundo registros, a casa – sede, reformada, perdeu a ala direita, onde existia uma torre com mirante.

 Fazenda Zuim, o exemplo da morada italiana

Com 166 alqueires, pertenceu a Natálio Zuim que, como sua mulher, era filho de colonos italianos. Trata sede um exemplo típico de morada de trabalhadores italianos de café da região: de tijolão, assobradada, com telhas de tipo francês e decorada com pinturas de motivos florais.

Há, ainda, a Fazenda Serra Negra, de Natálio Sabino, localizada em Ibitiruna, cujo proprietário original foi o Barão de Serra Negra. De propriedade cafeeira, chegou aos dias atuais como fornecedora de cana da Usina Costa Pinto.

Também a Fazenda Pakes, no eixo Piracicaba – Tietê, foi adquirida por antigos colonos, dedica-se atualmente a cana e pecuária, depois deter se constituído em exemplo legítimo de produção de café.

Fazenda Indaiá, única a usar madeira

O mapeamento dos grandes proprietários da região levou Neide Marcondes também à Fazenda Indaiá, antiga Três Municípois, localizada no eixo Piracicaba – Rio Claro. Pertencente a Birte Vera Stchelkunoff, trata-se da única casa-sede em toda a região construída em peroba, o que supõe uma mão de obra não pertencente ao sistema tradicional local. Destaca-se por seguir modelos europeus,e em sua área de 320 alqueires, foram edificados , além da casa-sede, zona de colonos, construções secundárias, antiga construção de engenho de açúcar e aguardente e ainda um mirante, ao lado da morada principal.

Depois de analisar plantas, registrarem fotos o que ainda permanecia intacto ao início de 1980, Neide Marcondes conclui, em sua tese que “é no setor da arquitetura rural, desde a mais simples construção secundária do programa de uma propriedade até as casas-sede, que se impõe a tradicionalidade da construção paulista”.

Assim, as chamadas propriedade rurais do que ela denomina “engenheiros da cana”, no quadrilátero do açúcar, onde se insere Piracicaba foram construídas obedecendo sempre a um mesmo conjunto: espaço para plantio da cana, engenho, a senzala e a morada. A casa sede se caracteriza pela simplicidade dos meios de construção, incorporando o alpendre frontal e posterior, que se transforma em local de estar e de refeições. E concluiu a pesquisadora: “refletem bem o fazendeiro da época, do fim da primeira metade do século XIX, simples, rústico mesmo, sem a preocupação com decorações externas e internas, mas aliado aos estudos e atuante na administração política de sua vila e até mesmo da Província”.

Com a chegada do café, formou se uma nova classe dirigente, o que, na região de Piracicaba, deu origem à chamada solução mestiça das propriedades rurais, na segunda metade do século XIX. Neste caso, as propriedades rurais passam a ser apenas espaço de trabalho, o campo é lugar onde se dão as atividades primárias e algumas reuniões sociais e políticas, ficando a cidade como sede do poder. Assim, os fazendeiros começam a transferir suas tarefas para administradores, mudando-se para a cidade.

Deixe uma resposta