Chácara Nazareth: uma história de poder desde o Império

Do Parque da Rua do Porto, aqueles que arriscam a vista a olharem morro acima, defrontam-se com um maciço de árvores, preservadas. Aos que circulam em direção ao rio, pelos quarteirões desiguais e quase que a guardar segredos próprios de outros tempos, com árvores que foram deixadas na área de trânsito e não sobre as calçadas, há apenas muros altos e, ao longo, distingue-se o desenho da antiga mansão

Na prática, poucos são os piracicabanos qChácara Nazareth, vista geral da residência, 1910ue conheceram e podem avaliar as riquezas e as belezas existentes na Chácara Nazareth. Alguns, remanescentes de antigas reuniões políticas mantidas com regularidade pelo então deputado João Pacheco e Chaves, geralmente aos sábados. Outros, apenas por terem guardado na lembrança os relatos de festas para alguns convidados. Um lugar, entretanto, privilegiado, que entre seus hóspedes teve nomes ilustres como José de Alencar, Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, Maneco Vargas, entre tantos.

Um lugar de encantamento que acolheu, em seus espaços, a poderosa família de João da Rocha Conceição, filho do Barão de Serra Negra, e a esposa Maria Nazareth, filha do Conselheiro Costa Pinto, poderoso líder político e fazendeiro da época do Império. A ele, coube permanecerem Piracicaba, como proprietário da Fazenda Nazareth, enquanto seu irmão, Manoel Ernesto Conceição, o Conde de Serra Negra, buscou expandir os negócios agrícolas. Genro do Barão de Valença, um dos maiores cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba, o Conde de Serra Negra manteve 15 propriedades também nos dois estados, chegando a possuir 2 milhões de pés de café. Possuidor de uma mansão em Paris, mantinha naquela cidade uma torrefação.

Mas, foi em Piracicaba que João da Rocha Conceição, seu irmão, decidiu permanecer, com os filhos Jane Conceição e Edgar. Jane, casada com Jorge Um garden-party na Chácara Nazareth. MMe. Conceição em meio a seus convidados, 1910Pacheco e Chaves, que seria prefeito de Piracicaba entre os anos de 1943 e1946, teria como filhos Jorge e João Pacheco e Chaves. Seria João Pacheco e Chaves o último da família a morar de forma permanente na Chácara Nazareth. Como lembraria, anos atrás, Mercedes Pacheco e Chaves Lunardelli, filha de João e, portanto, neta de Jane Conceição, a sua era a primeira geração da família sem qualquer mandato político. Um outro tempo passava a se desenhar na vida e no cotidiano antes tão movimentado da Chácara Nazareth.

Móveis Luiz XVI, quartos com rouparia de linho, lâmpadas a gás Brasil Magazine, revista impressa na França, em sua edição de agosto de 1910, guardada com carinho por Silvio Bortolazzo, mordomo da família Pacheco e Chaves que, em 1953 fez sua doação para o acervo da Biblioteca Municipal, oferece nada menos que 15 páginas para descrever “uma das mais fidalgas residências campestres do Brasil”.

Tratava-se, na opinião do jornalista, de um dos antigos solares brasileiros, “cheio de grandezas e tradição”, uma admirável residência “verdadeiro castelo moderno, atestando pela sua construção o luxo e o fausto de outrora.”

Mesmo estando “às portas de um grande centro fabril e populoso de mais de vinte mil habitantes”, a Chácara Nazareth é descrita como “uma belíssima propriedade de mil alqueires de terra roxa, dos quais mais de trezentos são da mais pura mata virgem, circundando as casarias de Piracicaba, desde a estrada de rodagem da Serra Negra, prolongamento da antiga rua Boa Morte, até além da linha férrea, que no seu início percorre em mais de dois quilômetros de extensão”.

A descrição esmerava-se em distinguir as belezas da casa: “a sua grande galeria de arcadas, contemplando o majestoso panorama é dum aspecto senhorial e no confortável das preguiçosas e das rockinVista lateral da residência, 1910g chairs, a sociedade elegante que são os convidados da casa prolongamos serões por entre os jogos alegres e as animadas palestras”. O salão era mobiliado no estilo Luiz XVI, “tão artisticamente simples, e guardando no seu muro principal uma bela e grande tela, verdadeiro documento histórico de nossa vida nacional nos primeiros anos da Independência”. O quadro, com três metros de base sobre dois de altura, reproduzia o juramento do Marquês de Monte Alegre como regente, tendo, a sua volta, vultos como Diogo Feijó e José Bonifácio.

Os quartos, que abrigavam os inúmeros hóspedes, “oferecem o agradável prazer das camas de Maple, guarnecidas de uma fina rouparia do mais puro linho, e nas cômodas inglesas recobertas de mármore preto, a garrafa d’água fresca e o copo de cristal, pousados sobre toalhas de rendas”.

E, num tempo em que a iluminação elétrica ainda era privilégio de poucos, a reportagem destaca que “uma magnífica instalação de gás acetileno distribui neste verdadeiro castelo brasileiro, por meio de dezenas de lâmpadas, uma iluminação perfeita e prática no seu conjunto e completa nesta admirável residência campestre, a mais civilizada e perfeita organização de um interior fidalgo”.

Além da beleza e do lazer

Mas, se aEdgar, o netinho da casa guardado por Snob, 1910 Chácara Nazareth encantava por sua beleza, também guardava outros atributos de valor produtivo. Cercada por grandes canaviais arrendados ao Engenho Central, o local também possuía uma pequena plantação de café. O que despertava a atenção dos visitantes, entretanto, era seu pomar: “as mangas mais saborosas que se encontram no Estado de São Paulo, conhecidas pelo nome de augusta ou maurícia, provêm do incomparável pomar da Chácara Nazareth, célebre também pelos seu grandes vinhedos, ricos em uvas européias e americanas, que produzem anualmente abundante e escolhida vindima”.

O texto garantia que, no pomar, se cultivava a “mais completa coleção de frutas brasileiras”, como “o belo bosque de jaboticabeiras, o verdejante laranjal e limoal e intermináveis plantações d’árvores de caju, romãs, abios, abacates, uvaias, araçás, frutas do conde”.

Foi neste ambiente que, segundo o autor, entre um bosque natural de jequitibás e figueiras bravas, cercado por uma alameda sempre repleta dos sons da passarada, passou José de Alencar, “comprazendo sua fértil imaginação de artista” e tendo escrito uma das “belas obras cujas páginas cheias de pitoresco, revelam o imenso sentimento do escritor pela natureza que o rodeava”.

Referência entre os fazendeiros paulistas

A atração pela Chácara Nazareth não se restringiu aos jornalistas e escritores do início do século. Em 1989, artigo de Neide Marcondes, do Departamento de Artes da UNESP, deteve-se mais uma vez a analisara Fazenda Nazareth, já uma propriedade da Família Pacheco e Chaves, como referência do perfil do “Fazendeiro paulistano final oitocentista”.

Trabalhando com dados da carta de sentença do formal de partilha de Jane Conceição, ela relembra que, no inventário de João Conceição, a propriedade era descrita como 643 alqueires e tantos, divididas em seis glebas de terra, com “jardim e gradil na frente, casa com cômodos para a família, garagem e cômodos para os criados”, ficando os cafezais a sudoeste. A avaliação fora de 563:909$000.

E ela se detém em outros detalhes anteriormente ignorados: a casa sede, que já se encontrava parcialmente construída quando da posse de João Conceição, em 1880, era uma construção de taipa de mão com acréscimo de tijolão. Os acréscimos vieram na forma do terraço, com colunas neoclássicas de madeira, e na entrada pela parte central, com vestíbulo e escada de madeira.

Lembrando que o fazendeiro transformara sua residência rural em centro de intensa vida social, a descrição mostra que a Chácara Nazareth procurava se igualar aos modelos dos palácios europeus, fato demonstrado pelos móveis, pela louça e prataria, pinturas decorativas nas paredes e nos tetos. Entre os documentos encontrados no arquivo particular da Chácara Nazareth, datado de 1891, a comprovação do apreço aos padrões europeus: uma nota de compra na Blanche Lebouvier, de Paris, em nome de Mme Conceição, de “unetoilette de soie noire à dessir rouge garmé marabout”.

Quando a publicação do artigo, Neide lembra que a Chácara Nazareth possuía, então, de sua área original, apenas 90 alqueires no perímetro urbano de Piracicaba, junto ao rio.

Os descendentes de um império

Francisco José da Conceição, o Barão de Serra NeBarão de Serra Negragra, nasceu em 1822,em Piracicaba, falecendo, em 1900, em Rio das Pedras. Filho de Antonio José da Conceição e de Rita Morato, foi chefe do Partido Liberal, incorporador da Cia de Navegação Fluvial a Vapor dos rios Piracicaba e Tietê, primeiro introdutor de aparelhos aperfeiçoados de beneficiamento de café, preparo de terras por meio de instrumentos aratórios e primeiro a introduzir o plantio e cultivo de algodão no Município de Piracicaba.

Foi casado com Gertrudes Eufrosina da Rocha com quem teve os seguintes filhos:

• Anna Cândida – Baronesa de Rezende, casada com Estevão Ribeiro de Souza Rezende – Barão de Rezende, com filhos.

• João Baptista, casado com Maria Nazareth (filha do Conselheiro Costa Pinto), com quem teve os filhos Jane Conceição e Edgar. Jane, casada com Jorge Pacheco e Chaves, foi mãe de Jorge Pacheco e Chaves, João Pacheco e Chaves.

• Francisco Júlio, casado com Anna Monteiro de Barros, com filhos.

• Antônio Augusto, casado com Laura Corrêa Pacheco, com filhos.

• Manuel Ernesto, Conde de Serra Negra, casado com Maria Justina de Souza Rezende, com filhos.

• Júlio, casado com Mariana de Freitas, com filhos.

• José, casado com Angelina da Silveira, com filhos.

• Francisca, casada com Adolfo Corrêa Dias, com filhos.

• Angelina, casada com Torquato da Silva Leitão, com filhos.

• Maria, casada com Francisco Antônio de Almeida Morato, sem filhos.

3 comentários

  1. Guilherme Costa em 01/07/2013 às 19:25

    por q a chacara é conhecida como mal assombrada

  2. Wanderson em 27/02/2014 às 08:01

    Quando era menino e morava na paulista em 1972, junto com os colegas, pulávamos o muro pelo lado da rua do rosário para roubar manga e tínhamos que sair ” voando” por causa dos cachorros bravos. Quanta saudades!

  3. Celso Pezzato em 14/03/2014 às 00:18

    Morei vizinho a Chácara Nazareth nos anos 50-60. Minha casa fazia fundos com a Chácara do Vev’e. Nas duas havia uma completa coleção de frutas, algumas que nunca mais vi para comprar, como o abio. Por outro lado, essas duas propriedades entravaram por décadas o desenvolvimento desse bairro, muito próximo do centro da cidade. Posso dizer que pra e na minha infância essas chácaras foram uma dádiva, mas a cidade ficou a mercê da exploração imobiliaria.

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