Os primeiros construtores de Piracicaba – (2)

Não foram apenas nas igrejas, residências particulares, até mesmo em cemitérios, que grandes profissionais da arquitetura e da área da construção se destacaram em Piracicaba, nos primeiros anos doColégio Piracicabano, edifício principal com varanda de madeira município. Em sua dissertação de mestrado, Marcelo Cachioni se detem, especialmente, na análise dos prédios e edifícios que atenderam à área educacional piracicabana, reunindo trabalhos até mesmo de nomes consagrados como Ramos de Azevedo ou George Krug, que também já deixara sua marca em edifícios públicos.

Segundo a pesquisa, o primeiro prédio construído especialmente para abrigar uma escola em Piracicaba destinou-se ao Colégio Piracicabano, inaugurado em 1884, por iniciativa de missionários metodistas norte-americanos.

Poucos anos depois, viria a prédio do Colégio Nossa Senhora da Assumpção.

Presume-se quGeorge Krug (“Ramos de Azevedo e sua história”, Edit. Pini 1993)e seja de Matheus Haussler tanto o projeto quanto a condução das obras do edifício principal do Piracicabano, iniciado em fevereiro de 1883. Natural de Stuttgart, na Alemanha, a ele coube projetar residências como do Conde Prates e da família Paes de Barros, em São Paulo, assim como o Palácio Campos Elíseos para a família Pacheco Chaves. Sua obra mais conhecida foi a Hospedaria dos Imigrantes, edificada entre 1886 e 1888, próxima a estação de trens do Brás, também em São Paulo. Como destaca Cachioni, “o edifício construído em alvenaria aparente é semelhante formalmente e em detalhes construtivos ao do Colégio Piracicabano, principalmente as janelas com arco pleno e frisos de alvenaria”.

O edifício do Colégio Piracicabano foi concluído e inaugurado em janeiro de 1884, para atender inicialmente a 30 alunas internas. Dois anos depois, ele seria avaliado em 19 mil dólares. Em 1892, o prédio ganharia uma varanda contínua de madeira, com pilares decorados à moda norte-americana do período colonial. A partir de 1907, foi iniciada a edificação de um anexo, praticamente um novo edifício que seria concluído apenas em 1914. Toda este complexo encontra-se conservado e restaurado, tendo sido reinaugurado em 2003, sob a denominação de Centro Cultural Martha Watts.

Tanto o anexo quanto a reforma da fachada do edifício principal, datada de 1914, foram de responsabilidade do engenheiro e arquiteto George Krug, filho de Guilherme Krug, que construíra a segunda Câmara e Cadeia de Piracicaba . George diplomou-se em arquitetura nos EColégio Assumpção, após o incêndio de 1893stados Unidos antes de 1899, tendo se associado ao pai no retorno ao Brasil. O escritório da família respondeu, entre outras obras, pela construção do Hospital Samaritano, no bairro de Higienópolis em São Paulo. George foi professor do curso de Engenharia Civil do Instituto Mackenzie e da Escola Politécnica de São Paulo, além de ter trabalhado no escritório de Ramos de Azevedo, como colaborador.

Quanto ao prédio do Colégio Assumpção, que iniciou suas atividades em Piracicaba em 1883, presume-se que tenha sido projetado pelo italiano Alberto Borelli, que efetivamente realizou sua reforma, após incêndio nele ocorrido em 1893. O arquiteto tinha um escritório em Piracicaba. A edificação caracterizava-se por elementos estilísticos do renascimento italiano; uma grande escadaria dava acesso à varanda adaptada em L com um bloco interligado à Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte.

As escolas públicas e Ramos de Azevedo

Piracicaba, que durante anos destacou-se na área da educação, pelo número de suas escolas e pelo grande número de intelectuais que aqui viveram, teve vários de seus prédios públicos edificados a partir do novo governo republicano.

A história destaca, em 1897, a doação do imóvel onde funcionara a Ramos de AzevedoSociedade Propagadora de Instrução de Piracicaba – organização fundada em 1890 e extinta em 1896 – para que ali o governo estadual instalasse a primeira Escola Complementar de Piracicaba e também do Estado. Tratava-se de um edifício de características neoclássicas.

Já o primeiro grupo Escolar de Piracicaba teve suas obras iniciadas em 1895, seguindo projeto de autoria dividida entre os arquitetos Ramos de Azevedo e Victor Dubugras, ambos responsáveis por grande número dos edifícios escolares do Estado, tanto que Francisco de Paula Ramos Azevedo foi um dos precursores da chamada Arquitetura Escolar Paulista. A planta-matriz fora desenhada para o Grupo Escolar de Campinas e nela se atendia a exigência da Superintendência de Obras Públicas de existência de 4 salas para meninos e outras 4 para meninas.

Os sanitários eram construídos nos fundos dos terrenos, em galpão onde também se ministravam aulas de ginástica ou educação artística. No caso de Piracicaba, o projeto do grupo escolar teve participação comprovada de Victor Dubugras, nascido na França, em 1868. Formado em Arquitetura em Buenos Aires, no Brasil, trabalhou com Ramos de Azevedo e também como professor da Escola Politécnica. Ramos de Azevedo nasceu em 1851,em São Paulo, e formou-se engenheiro arquiteto na Bélgica. Respondeu pela conclusão das obras da Catedral de Campinas, pela remodelação do Pátio do Colégio em São Paulo, foi professor e diretor da Escola Politécnica e do Liceu de Artes e Ofícios. Assinou o projeto do Teatro Municipal de São Paulo, foi senador e presidente da Caixa Econômica Estadual.

O primeiro grupo, localizado ao que se chamava área norte da cidade, na esquina das ruas do Comércio e Ipiranga, em 1900 atendia a crianças entre 9 e 12 anos. Encontra-se atualmente no mesmo local, com o nome de Barão do Rio Branco, recebido em 1907.

O segundo prédio do sistema público de educação analisado por Cachioni foi o Grupo Escolar Moraes Barros, edificado na Praça Tibiriçá, e inauguradoEscola Normal, atualmente, Escola Sud Mennucci em 1904. O projeto foi assinado pelo italiano Serafino Corso e a construção acompanhada por Carlos Zanotta, ocupando o terreno que anteriormente acolhia a segunda casa da Câmara e a Cadeia, demolidos para o surgimento da escola. Corso era arquiteto e poeta italiano que, como imigrante, instalou-se em São Paulo e projetou várias obras para o Governo, antes da proclamação da República (ver fascículo anterior).

No século XX, a Escola Normal e o grupo de Vila Rezende

Quando, ao início do século XX, garantiu-se a transformação da Escola Complementar em Escola Normal, houve necessidade de novas instalações, já que os edifícios destinados a tais escolas eram mais sofisticados e de maiores proporções. O início da construção, que se localizaria na esquina da Paulo Pecorari (arquivo de família)rua São João e XV de Novembro, aconteceu em julho de 1913, e foram necessários quatro anos para sua conclusão. O projeto fora do arquiteto João Bianchi, com adaptações do italiano Arturo Castagnoli, e desenvolvido inicialmente para as escolas de Pirassununga e Botucatu. Giovanni Batista Bianchi nasceu na Itália, em 1885, e formouse em Belas Artes em Milão, tendo se transferido para São Paulo em 1911. Assumiu a Diretoria de Obras Públicas do Estado, influenciando os novos edifícios escolares com características artnouveau. Trabalhou na ampliação do palacete do Conde Matarazzo e para a família Crespi. O edifício da Escola Normal contou com detalhamentos decorativos e de acabamentos internos de responsabilidade do alemão Carlos Rosencrantz.

Mas o século XX também foi marcado pelo surgimento de várias outras instituições particulares de ensino.

Em 1921, a Câmara autorizava a isenção de impostos para que se construísse o Externato São José, localizado na esquina da Rua Rangel Pestana (então Boa Esperança) com a Rua Alferes José Caetano. O projeto era oferecer ensino gratuito para mais de 150 crianças e educação para mais 50 órfãos. O edifício, que mais tarde sediou a Faculdade de Farmácia e Odontologia, em 2003 é de propriedade da UNICAMP, por doação a ela feita pela Prefeitura Municipal, em 1989. Seus construtores foram o engenheiro Holger Jensen Kok e Paulo Pecorari, que também responderam pela edificação do Grupo Escolar de Vila Rezende, inaugurado em 1925, com objetivo de oferecer classes de lº a 4º para crianças do bairro. A escola foi criada justamente para evitar que os filhos dos imigrantes, especialmente trabalhadores do Engenho Central, então dirigido por Kok, tivessem que se deslocar até o centro da cidade, atravessando a ponte do Rio Piracicaba. Ela funcionou até 1953 e, em 2003, o prédio é ocupado pelo Colégio Cidade de Piracicaba, do Sistema Anglo de Ensino, totalmente restaurado.

Holger Jensen Kok nasceu na Dinamarca em 1868 e formou- se engenheiro civil em Copenhague. Veio para o Brasil inicialmente para montar uma indústria de açúcar em Pernambuco e, em 1899, transferiu-se para Piracicaba para dirigir o Engenho Central, onde permaneceu até 1927. Foi um dos pioneiros no ramo da navegação do rio Piracicaba, juiz de paz em Vila Rezende. Paulo Pecorari, que com ele responderia pela construção das duas escolas, nasceu em 1889 e começou sua carreira em Piracicaba trabalhando na Oficina Krähenbühl. Foi um dos fundadores do CREA, ao qual se filiouAntigo Grupo Escolar de Vila Resende mesmo não sendo engenheiro ou arquiteto, mas sim projetista experiente. Respondeu pela construção do edifício do Lar Franciscano de Menores, do Instituto Baronesa de Rezende (1922), do restaurante Arapuca e um dos portões de entrada do campus ESALQ. A ele coube, também, como empreiteiro, a demolição da primeira Catedral após o incêndio.

O ecletismo da arquitetura de Piracicaba, ponto central do trabalho de pesquisa de Marcelo Cachioni, não sobreviveu, entretanto, além dos anos 60. Como ele mesmo sintetiza: “então as agências bancárias, redes de casas comerciais e edifícios de apartamentos passaram a substituir sistematicamente as construções existentes, num processo de destruição cultural da cidade”. Seu alerta, entretanto, permanece, no sentido de que importantes edifícios deste período de ecletismo, por seu valor arquitetônico, mereçam projetos de preservação. E simplifica: “basta tratá-los com o respeito devido”.

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