A HISTÓRIA QUE EU SEI (XVI)

A renúncia
A grande crise da administração de Samuel de Castro Neves aconteceu com a renúncia do vice-prefeito “Ditoca”, um conflito que acabou definindo posições e marcando o futuro político de Piracicaba. Aconteceu que, em comemoração ao 25º aniversário de sua formatura na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Samuel Neves foi convidado a participar das solenidades comemorativas e a ser o orador da turma. Ocorria, porém, que “Ditoca”, o vice-prefeito, estava disposto a demitir funcionários, a “sanear a área”, como ele não deixava de proclamar. O alvo principal era Luiz Matiazo, que encabeçava uma lista de funcionários que “Ditoca” pretendia dispensar da Prefeitura. Mas Samuel Neves era sensível ao problema pessoal dos funcionários, não concordando com o radicalismo de “Ditoca” Quando, pois, de sua pretendida viagem ao Rio de Janeiro, para participar daquele jubileu de formatura, Samuel de Castro Neves se viu diante da sincera e honesta afirmação que lhe fazia seu vice-prefeito “Ditoca”: na ausência de Samuel, ele, “Ditoca”, dispensaria os funcionários colocados em sua própria lista-negra, sendo Matiazo o primeiro deles. Samuel Neves se inquietou, pois discordava da decisão de “Ditoca”, que se preparava para assumir o cargo de prefeito, na ausência do titular. Foi, então, que, no mesmo dia de sua viagem para o Rio de Janeiro, Samuel Neves chamou o vereador Salgot Castillon – um dos líderes da maioria camarária formada por PTB-UDN-PSD para lhe confidenciar sua angústia. Havia decidido, diante da intransigência de “Di toca “, cancelar a sua viagem ao Rio de Janeiro. “Ditoca” – na sala do funcionário Oscar Dihel – aguardava, apenas, que Samuel viajasse para, então, assumir o cargo. Foi quando Salgot Castillon lhe levou a notícia: Samuel Neves, o prefeito, cancelara a viagem, evitando, assim, a posse de “Ditoca”. Imediatamente, o vice-prefeito Benedito Rodrigues de Morais, o “Ditoca”, renunciou ao cargo. Começava a acontecer, em Piracicaba, a “síndrome do vice prefeito”, como costumo defini-la, pois, ao longo destes 50 anos de vida política piracicabana, essa síndrome ocorreu por exatas nove vezes, nelas incluídos afastamentos, renúncia, licenças, cassação ou morte de prefeitos eleitos.

Com a renúncia de “Ditoca”, Samuel de Castro Neves teve, pelo menos, mais liberdade de atuação, quando se tornou ainda mais útil a colaboração de seu filho Alfredo, o “doutor Alfredinho”. Mas Samuel estava doente, a uremia que se agravava. Em Maio de 1955 – quando o país já havia explodido com o suicídio de Getúlio Vargas, quando já acontecera a posse de Juscelino Kubistchek – Samuel de Castro Neves não resistiu à sua enfermidade e se licenciou do cargo de prefeito. Na Câmara Municipal, as discussões tomaram-se violentas. De repente e diante da licença de Samuel, retomava-se à validade jurídica da renúncia de “Ditoca”, o vice-prefeito, pouco antes. Domingos José Aldrovandi, com agressividade, defendia a legitimidade da investidura de “Ditoca” no cargo de prefeito, substituindo Samuel. Os opositores à tese defendiam que a renúncia tinha sido ato pleno, legítimo e acabado. Pela legislação desde que se tomasse como definitiva a renúncia de “Ditoca” – o substituto de Samue1 Neves teria que ser o Presidente da Câmara, no caso e circunstância, o vereador João Basílio. O conflito parecia insolúvel: Aldrovandi defendia a posse imediata de “Ditoca”; Salgot Castillon lutava pela posse do Presidente da Câmara. Foi, então, que, dirimindo todas as dúvidas e conflitos, o funcionário municipal Luiz Matiazo apareceu com o parecer definitivo do jurisconsulto Carvalho Pontes: a renúncia de “Ditoca” era plena e acabada e, portanto, o sucessor de Samuel Neves, diante de seu afastamento, era o Presidente da Câmara. No caso, João Basílio.

A cruz de Basílio
João Basílio era advogado, com interesses e propriedades em Rio das Pedras, a partir de onde se tomara pessoa íntima e amiga da família Coury, os filhos de Luiz Coury: Romano, Jorge, Luizinho, Tufi, José, Raul, Alberto. Com a candidatura, em 1947, de Jorge Coury, João Basílio ingressou na política, apoiando Jorge e dispondo-se a ser candidato a vereador, sendo eleito. Em 1951, reelegia-se. Fora candidato pelo PSD, ao apoiar Jorge Coury. Na eleição seguinte, canditara-se, reelegendo-se, pela UDN, apoiando Samuel de Castro Neves.

Cordato, lhano, ponderado, cavalheiro, João Basílio se viu no meio de um furacão quando Samuel Neves se licenciou. Assumir a Prefeitura não lhe era um prêmio, mas sim um castigo. A situação nacional era grave, com a contestada posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, a ameaça de golpes, a transição política brasileira. E, mais proximamente, estava às voltas com uma Prefeitura endividada, onde os salários dos funcionários estavam atrasados há meses, pois Samuel Neves não tinha recebido as parcelas finais do empréstimo que lhe fora autorizado pelo Governador Garcez. O Governo de São Paulo não restituía os 20% de arrecadação que eram devidos ao município. A situação era desmoralizadora, desgastante. Tanto João Basílio como Samuel Neves estavam sem qualquer crédito junto à população.

Para se avaliar a gravidade da situação, basta lembrar-se que o comércio e a indústria – em razão da falta e do atraso nos pagamentos – negavam-se a fornecer à Prefeitura. Aqueles que o faziam, faziam-no pelo prestígio pessoal de Sebastião Miguel, chefe do serviço do almoxarifado. Pedro Furlan, antigo funcionário da Prefeitura, emprestava o seu próprio automóvel para Samuel ir a São Paulo – sempre acompanhado dos choferes Pedrinho Fidélis e Manduca – pois nem veículo em boas condições tinha a Prefeitura. E tudo se fazia para apoiar Samuel de Castro Neves, conhecido como “um homem bom”. O próprio Pedro Furlan comentava: “Eu era criança, muito doente. O dr. Samuel era médico nosso. Éramos pobres e eu precisava de alimentação. O dr. Samuel deu uma vaca para minha família, para que eu pudesse beber leite”. E completava: “Vai ver a vaca tinha meningite, pois eu fiquei meio louco da cabeça …” Samuel de Castro Neves afastado por enfermidade, o seu substituto, João Basílio, herdou a pesada herança de uma prefeitura quase falida. E manobras na política local logo após a eleição que consagrou Luciano Guidotti – transformaram em inferno ainda maior e pesada a carga de João Basílio.

*CONTINUA

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