Buzina

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Semana passada levei três buzinadas no trânsito e um xingo.  Até aí, normal. Acontece que vieram de jovens. Desses que chegaram agora e nada ainda fizeram pelo planeta além de comer, beber e fazer necessidades. Encontraram tudo pronto. Não ergueram as escolas nem construíram as estradas; não plantaram comida nem a água canalizaram; não inventaram o celular, o cinema, a internet, os remédios; sequer sabem explicar porque o ventilador vira, mas se acham donos do mundo.  Provavelmente nem uma tomada consigam trocar, e se pegarem uma enxada não saberão para que sirva.  Dos que estudam, a maioria não sabe escrever um texto. Por não terem aprendido na família, sofrerão nas garras do mundo, já patente no estresse que carregam ainda jovens.

Estou contando isso para dizer que para quem passou dos sessenta anos está cada vez mais difícil dirigir. Não que andar a pé seja mais seguro.  “Cidade registra cinco atropelamentos com uma morte em cerca de 20 horas”. (JP 15.06.14). “Trânsito faz quatro mortes na região em aproximadamente seis horas”. (JP 10.09.14).  “Mortes no trânsito têm aumento de 85% em Piracicaba. Acidentes mataram 52 pessoas de janeiro a dezembro 14. Em 2013 foram 28”. (JP 27.12.14).

A tensão é muito grande. Qualquer deslize ou distração está sujeita a palavrões, buzinadas e acidentes. É duro receber ofensa desproporcional ao erro e manter-se calmo. Mas, se perder a cabeça o fim quase sempre será trágico. Cabe ao que for mais sensato e equilibrado deixar pra lá, mesmo com o doido atrás ou colado soltando palavrões, que só os fazem por desmerecê-lo. Um teste para os nervos, sem dúvida.

Também já perdi a paciência no trânsito; só ganhei aborrecimentos e autocensura. Todos nós erramos. Uma boa dose de humor faz falta. Não dá para julgar, mas para especular em alguns casos o perfil do motorista estressado. Só os outros erram; ele nunca. Faz do outro sua lata de lixo onde atira o que lhe sobra n’alma.  Por isso, não raro é um falido; nada do que empreende vai pra frente. Corre, corre e nunca chega. Em casa ronca, mas não apita nada. No trabalho e entre colegas não tem influência alguma. Por ser um mimado, sobre si não tolera vantagens; não suporta perder. Mesmo sabendo que irrita taca a mão na buzina para humilhar. Coisa de chato. Tolerância para ele representa fraqueza. Estreita é sua visão de mundo para sacar que agressão só piora as coisas. Não compreende a teia da vida para saber que precisamos uns dos outros, e que sociedade pacífica se faz mais com colaboração que com regras. Por isso a prudência recomenda não enfrentá-lo porque tem mais hormônios que neurônios e pouco sabe sobre autodomínio e compaixão. O desafio é tratá-lo com camaradagem porque apesar de xucros, a maioria tem conserto. Além do mais, atitudes de paz desarmam e produzem efeito cascata.

Penso que o transporte individual é insustentável e aos poucos nos torna todos bichos. Além do mais polui, mata mais que a violência urbana, trava a mobilidade, empodera fracassados, devora a natureza e dentro dele não sentimos a vida. Sociedades evoluídas cada vez menos toleram automóveis. Carros entupindo as ruas como em nossa cidade é coisa de gente pançuda. Cara que vai de carro ao Centro num sábado de manhã tem o quê na cabeça?

Transporte público facilita relações, reduz doenças, aproxima pessoas. Cidade é lugar do bonde, do trem, do ônibus, da bicicleta e do pedestre principalmente. “Devemos pensar em cidades para as crianças, os idosos, os cadeirantes, os mais pobres. Se for boa para eles, será para os demais”. (Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá).

Prefeito que sai por aí derrubando árvores para dar vazão a carros entende nada de cidade. Seu lugar talvez seja numa concessionária. É um irresponsável, e o povo que o elegeu mais tapado que ele.

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