Travas e Cadeados

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imagesA casa era muito simples no fundo do terreno. Através da grade feita de cantoneiras podia ver meu amigo acenar com a mão. A casa pertencia à irmã. Precisou vendê-la e meu amigo se mudou. Não demorou e uma grande chapa de zinco tapou toda a visão. Foi vendida.

Por que pessoas preferem isolamento? Dizem ser consequência do progresso. Viver sem grades, muros e cercas seria então retrocesso? Se o que vejo é progresso, prefiro. Lembro-me de minha adolescência no bairro da Paulista quando chegava da rua pulava o muro da frente de casa, que não tinha mais que um metro de altura. Na saída a operação se invertia. Com o tempo fui vendo muros e grades subindo, e agora portões inteiramente vedados, interfones, câmeras e cercas elétricas. Existem ruas na cidade onde não se vê a cara de ninguém, nem nas casas. Muros altos e portões tapados dão impressão de ruas fantasmas.

Acho inconsequente essa noção de segurança já que quanto mais isolados mais vulneráveis nos sentimos. Pode-se deparar com estranhos dentro de casa, ser feito refém ou coisa parecida. Idosos que vivem sozinhos podem ter problemas de saúde e até morrer sem que alguém perceba. E pelo jeito, esse tipo de proteção nada tem adiantado porque os vagabas ficam à espreita do morador quando chega ou sai. Só néscio não percebe que segredo desperta curiosidade e excesso de proteção indica medo ou coisas de valor.

“A polícia recomenda aos moradores portas e janelas resistentes, fechaduras e trancas confiáveis, travas de segurança, trincos e cadeados, grades internas, serviços de vigilância particular, sistema de monitoramento, guarda-costas, câmeras de segurança, olhar bem antes de abrir o portão”. (JP 21.07.13). Existe conselho mais equivocado? Dito pela polícia é estarrecedor.

Tudo mostra que estamos no caminho errado. Agressividade é inerente ao ser humano, e até útil na superação de limites ou situações sufocantes. Violentos somos todos em potencial.  Porém, quando se volta contra o próprio semelhante de forma epidêmica como estamos vendo, algo está errado. Pobreza ou riqueza, por exemplo, não geram violência se todos forem uma coisa ou outra. Contra o patrimônio é a maioria dos crimes. Sintoma de concentração de bens. Somos, portanto uma sociedade injusta.

Se quisermos uma nação pacificada e respeitosa precisamos lutar pela equidade. Isso se faz saindo do ninho, participando; não só, mas especialmente no mundo da política. Esconder-se da violência em condomínios fechados, onde pobres só têm acesso como mal remunerados domésticos, seguranças, babás, faxineiros, etc. é atitude comodista, omissa e irresponsável; também daquele que ergue seu muro e veda seus portões a fim de evitar contatos. Além de medroso é imprudente, pois acaba incentivando o que quer evitar: chamar atenção e desafiar a cobiça. “A segregação, tecnicamente, aumenta a violência. Seja a segregação do rico no condomínio, seja a reprodução disso nas camadas mais pobres. A integração é contra a violência”. (José A. Brito Cruz, Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. Folha 04.06.14).

Em vez de reforçar grades e se entocar, abrir-se à comunidade; interessar-se pelas necessidades do outro; ser amigo das crianças e da natureza; participar de atividades do bairro, levar vida modesta; rejeitar privilégios e vantagens; ser transparente e coerente; ao fazer festa em casa respeitar limites da boa convivência; ser solidário e proativo com vizinhos; e sempre que possível, ser simpático às suas interpelações.

Mais que cadeados, travas, muros altos e serviços de vigilância, essas atitudes afastam a violência, ou melhor, ganham respeito, até de quem não tem.

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