A abolição do homem

picture (29)Lembro-me de, na escola da adolescência, professor comentar que alguns filósofos da Idade Média não tinham o que fazer. E, para passar o tempo, discutiam questões tais como o sexo dos anjos ou quantos deles caberiam na cabeça de um alfinete. E, ao mesmo tempo, recordo-me de uma rede de minha infância, na varanda da velha casa, onde, estirado e vagamundamente, lá me punha, eu, a ver nuvens, inventando-lhes formas e parecenças. De repente, a nuvem parecia um fiapo de algodão. E, em seguida, uma crista de galo.

De tanto ver nuvens, entendi o que o velho banqueiro e político, Magalhães Pinto, disse de política: “como nuvem, muda a toda hora.” Essa coisas me confundem: nuvens, filósofos medievais, sexo dos anjos e também aquele projeto aprovado pela Câmara Federal no sentido de abolir o termo “homem” quando a palavra se referir a ambos os gêneros, masculino e feminino. Não sei em que resultou esse projeto bobamente aprovado

Não se falou mais no projeto da deputada petista Iara Bernardi ou pelo menos eu não tive mais informações sobre um ranço feminista de um feminismo que não existe mais. Mas tive, à época, uma preocupação inicial não em respeito aos dois gêneros, masculino e feminino. Foi com o terceiro. Pois, em relação a gays – e travestis, e transgêneros, e lésbicas, e transexuais e o escambal – como é que isso fica? Mas não irei meter a mão nessa cumbuca, pois há assuntos, ando aprendendo, que escribas inteligentes não deveriam abordar, palavras que precisariam ser evitadas. Alguns deles – ou devo escrever alguns e algumas? – tornaram-se tabus: feriado de Zumbi, cotas para negros, terras de índios, passeatas de gays, referências a cocô de gatos e cachorros nas ruas. Escrevinhadores inteligentes evitam-nos. Tenho o azar de não ser inteligente.

Já que deveríamos ser legalmente obrigados a abolir o termo “homem” em referência a ambos os gêneros, fico, então, tomado da velha angústia: não seria mais fácil tratarmo-nos como machos e fêmeas? Ora, mulheres há que, procurando ofender, chamam os homens de machos e, ao mesmo tempo, se sentem ofendidas com a palavra fêmea. Mas, biologicamente, não é assim que viemos ao mundo, no formato macho e fêmea? O próprio ranço feminista tem origem no feminino; e feminino refere-se a fêmea, “femina”. Da mesma forma, macho – o “mas, maris” latino – tem origem no másculo, o que tem músculos, varonil. E músculo – quem diria? – significa ratinho em latim. E eis a ironia: mulher vem de “muliebris”, o delicado, o mole, contrapondo-se à rudeza e dureza do músculo. Ou seja: aceita-se a palavra mulher, mesmo com o significado de mole mas o termo fêmea ofende, apesar da beleza feminina, do eterno feminino.

Essa gente, pelo visto, quer renunciar à própria humanidade. Pois é essa a nossa raiz comum, do masculino e do feminino: o “hum”, o solo, o chão. Homem, na origem latina, é todo ser humano, que pertence ao “hum”, à terra, em oposição aos deuses que habitam os céus. Homem é “hominis” e é “humanus”, esse ser que dá nome ao animal racional, macho e fêmea. O parlamento da França não discute que mulher francesa seja “la femme”. E o dos Estados Unidos não perde tempo para discutir o sexo dos seus anjos de carne, os “male and female”, o macho e a fêmea humanos, racionais.

No Brasil, continuamos discutindo tolices. E transformando-as em lei. Como entre os bizantinos, deve ser falta do que fazer. Pelo menos de alguns. Bom dia.

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