Triste fim de Ribamar, o Zé do Sarney

José Sarney não era José Sarney. Ficou. Ele nasceu José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Diz, a história maranhense, que ele, filho de pai com primeiro nome Sarney, passou a ser chamado de “Zé do Sarney”, ou seja, José, filho de Sarney. E mais: conta a lenda do Maranhão que o Sarney pai também não era Sarney, mas apenas Ney, funcionário de empresa inglesa. E que os ingleses do chamara de Sir Ney. Daí, passou a Sarney. E o fato é que desde 1965 o “Zé do Sarney” adotou, oficialmente, o nome de José Sarney Costa e aí ainda está. Ou por enquanto.

Agora, chega a um triste fim a história de José Ribamar, que ocupa o palco político brasileiro desde 1954, quando de sua primeira presença na Câmara Federal como suplente. A carreira foi fulgurante, marcada por uma estrela da boa sorte e, em especial, por um senso de oportunismo político admirável. Pois Sarney sempre soube estar no lugar certo na hora certa, oferecendo-se como o homem certo. Um de seus dons determinantes, na vida pessoal e na carreira, foi a fidalguia, um cavalheiro nos gestos, nas atitudes, na fala. E, talvez por isso mesmo, uma esfinge.

Ora, ninguém, saindo de um lugar politicamente pouco representativo como o Maranhão – apesar de ser um Estado de marcante presença histórica, com cultura privilegiada no passado – chega à Presidência da República, tornando-se três vezes também presidente do Senado, por simples coincidência ou sorte. À sua maneira e a seu estilo, Sarney foi um líder e, insisto, sabendo tornar-se o homem certo, ou necessário, na hora certa e no lugar certo. De líder dos militares, Sarney se transformou, com sua guinada para a eleição de Tancredo Neves, numa das peças fundamentais para a redemocratização do Brasil. E chegou, ainda levado pela “fortuna” a que Maquiavel se referia, à presidência da República, com a morte inesperada de Tancredo Neves.

Na verdade, Sarney nada governou. Foi o PMDB, liderado por Ulisses Guimarães, quem deu as cartas, quem planejou, quem executou e que, ao final – e diante do fracasso do plano econômico, diante da corrupção tão galopante quanto a inflação – abandonou Sarney à sua própria sorte. Ou há quem se esqueça de que Fernando Collor se elegeu como cavaleiro andante enfrentando a corrupção e os desmandos daquele período de Sarney?

Esse homem – que chega ao fim de carreira envolvido por tantas denúncias, por tantos escândalos – não passou, na verdade, de um coronel mais refinado, que fez, do silêncio e do estilo moderado pessoal, instrumentos a seu serviço. Pois Sarney foi o primeiro a desmoralizar o sistema de representação política da democracia brasileira quando, sendo maranhense visceral, se candidatou a senador pelo Amapá, elegendo-se. Era o pajé da tribo, o chefe do clã. Seus tentáculos suaves, mas poderosos, estenderam-se por todo o Norte e Nordeste, em aliança com Antônio Carlos Magalhães e outros líderes nordestinos. A presença de Sarney e familiares fincou raízes, a ponto de ter desejado que sua filha Roseane se elegesse presidente da República. Eles quis tornar o Brasil no feudo em que ele transformou o Maranhão, onde a filha volta a ser governadora, apesar de suas enfermidades intermitentes e, ao que parece, insanáveis. E, para glorificar-se ainda mais, conquistou a imortalidade banal da Academia Brasileira de Letras e fez sua pirâmide num Convento secular do Maranhão, onde, ilegalmente como já se pronunciou a Justiça, instalou a fundação que tenta eternizar-lhe o nome.

Getúlio Vargas se suicidou ao primeiro sinal do mar de lama que tinha sob os pés, algo que, diante do que ocorre hoje, é brincadeira de criança. Sarney resiste, sustentado por outros iguais, como Renan Calheiros, Fernando Collor, a tropa de choque que passou a sustentar também o governo de Lula. Ora, os deuses, quando querem destruir os homens, começam por cegá-los pela vaidade. José Sarney, não fosse a vaidade de ser presidente do Senado pela terceira vez, talvez estivesse sendo, hoje, reverenciado por suas posturas cavalheirescas que tentaram ocultar-lhe as mazelas políticas. Foram, as posturas, como a peneira querendo tapar o Sol da corrupção. Zé do Sarney, o Zé Ribamar, José Sarney da Costa chega ao fim humilhado, desprezado, novamente vaiado pela nação brasileira.

Que sejam, estes, os grandes sinais dos céus de que algo novo começa a acontecer neste país, tentando, ainda outra vez, varrer a corrupção. Essa avalancha de indignação irá, inevitavelmente, atingir os municípios. Pois indignação coletiva é contagiosa. Aguardemos. Bom dia.

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