A minha Olivetti

O texto foi selecionado para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

No sítio de um tio meu andava, nas férias, num carroção de boi. Era eu quem abria a porteira, ouvindo o boi mugir, fechando-a depois. Andei de charrete, puxada por cavalinhos mansos. Depois carrinho de rolemã. Patinete. Bicicleta. E o ônibus, o automóvel, o avião. Até que um dia, entre assustado e temeroso, vi pela televisão o homem pousar na Lua. Seresteiro que fui, senti a Lua deixar de ser nossa cúmplice. Mas entendi o mundo novo que estava surgindo. Eu estava nele.

Escrevi com lápis, giz. Quase ao mesmo, com caneta de pena que se molhava no tinteiro. Havia o borrador, para secar as letras molhadas. Depois surgiu, como milagre, a caneta-tinteiro, com a mesma pena, mas a tinta genialmente armazenada no cabo. E como escrever se tornou mais facilitado! Ter uma Parcker 51 era possuir um tesouro. Meus lápis, pobrezinhos, foram esquecidos nas gavetas.

Aos 12 anos, formei-me em datilografia, diploma que conservo até hoje, como minha maior conquista. Meu pai me orientava. “Aprendendo datilografia, fica mais fácil conseguir um emprego”. E, aos 14 anos, ele me deu a grande preciosidade: uma Lettera 22, da Olivetti. Foi minha companheira por mais de 40 anos e ainda está preservada como lembrança imorredoura. Nela escrevi, escrevi, escrevi. Crônicas, reportagens, editoriais, cartas de amor. E meus filhos, já adultos, me contam da segurança que sentiam quando, à noite e pela madrugada, ouviam o tic-tac de meus dedos pela Olivetti. Eles se sentiam protegidos, pois eu estava acordado, velando por eles – é o que ainda me dizem.

Agora, meus dedos dedilham o teclado de um computador. E meus olhos não mais veem folhas de papel em branco, mas uma página abstrata que não tem cheiro e nem cumplicidade. Mas é com ele, o computador, que preciso continuar. E continuarei.

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