A mulher que sempre existiu

Há alguns anos, um amigo poeta me olhou e falou: “Para mim, parece que você sempre existiu.” Ele estava certo. Pois, à época, ele tinha 45 anos de idade e eu completara 50 de jornalismo. Logo, eu já existia no jornalismo desde antes de ele ter nascido.

Hebe Camargo é, para os brasileiros até os 70 anos, a mulher que sempre existiu. Ela está na televisão desde o início, em 1950, já há longínquos 60 anos. Ela mesma diz que não participou do primeiro programa – na Tevê Tupi, do todo poderoso Assis Chateaubriand – por ter preferido ir a um encontro com seu namorado. Mas a voz de Hebe, como cantora, acompanhou infância e adolescência de milhões de brasileiros, desde o tempo em que fazia, com a irmã, dupla caipira. E, depois, na televisão, a trajetória de Hebe Camargo foi uma sequência infindável de sucessos, de êxitos, permeados por controvérsias, por críticas nem sempre lisonjeiras mas que, no entanto, não conseguiram ofuscar o brilho dessa mulher que foi considerada a “Primeira Estrela do Brasil.”

Quando, há poucos dias, Hebe foi internada com o diagnóstico de câncer, o Brasil se assustou ao, enfim, descobrir a finitude da grande estrela, pois era como se, até então, tivéssemos certeza não apenas de que Hebe Camargo sempre existiu, mas a de que ela era eterna. Mas é finita, ainda que ninguém consiga avaliar quais sejam os seus limites, força da natureza que ela é, uma fonte de energia que parece inesgotável.

Lá me parece ouvir alguns intelectuais rançosos – sempre neurastênicos, sem alegria de viver – repetindo a frase chavão: “Hebe é uma perua cafona.” Mas, na verdade, Hebe assumiu um estilo que é apenas seu, esse mesmo de perua, de árvore de Natal, numa cafonice que encanta a todos, fazendo rir e transformando-a em pessoa como que de nossa intimidade. Ou há, no universo de entretenimento do Brasil, alguém com tal nível de simpatia como o de Hebe Camargo? Apenas os que esperam, dela, tiradas filosóficas, altas reflexões intelectuais não percebem que Hebe é amada pelo povo brasileiro exatamente por sua simplicidade, pelo seu jeito brejeiro de ser, desprovido de pretensões intelectuais. Hebe, acho eu, nem sequer fala ao coração das pessoas, mas ao humor delas, divertindo-as, alegrando-as, com uma visão de mundo por assim dizer simplória mas que a todos encanta e agrada.

Não sou, confesso-o, de assistir a tais programas de tevê, sentindo-me um estranho quando se fala do que ocorre em novelas, em seriados, em auditórios. Mas Hebe Camargo marcou a minha adolescência, sua personalidade forte e efusiva, sua risada inimitável, suas emoções que afloram contagiando quem a vê. O câncer de Hebe Camargo manteve o país em suspenso, acho que assustado de descobrir que a mulher que sempre existiu é uma criatura também finita. Próxima dos 81 anos, Hebe reage com uma vitalidade admirável, assumindo a doença – como Dilma Roussef o fez – sem desistir, querendo voltar, prometendo voltar. Ninguém duvida de que ela vença mais este obstáculo e retorne ainda mais lampeira, brejeira, moleca, jovial. Afinal de contas, Hebe Camargo é patrimônio humano do Brasil, ímpar na galeria dos que entretêm, alegram e tornam a vida mais leve. Bom dia.

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