A volta dos homens bons

picture (3)A sabedoria dos provérbios populares é universal. Há algo de tal forma misterioso na alma humana que – apesar de tempo e espaço, de culturas e de contextos – a intuição coletiva se transmite como que conduzida pelas nuvens. Então, quando menos se espera, movimentos sociais acontecem, ao mesmo tempo e em lugares tão distantes uns dos outros, que parecem combinados. E, no entanto, surgem das entranhas da humanidade, de uma alma coletiva.

Ensina, a alma popular francesa: “chassez le naturel, il revient au galop”. Basta aguardar: “expulsai a natureza, ela volta a galope”. E em todos os sentidos, não apenas das grandes forças naturais, mas especialmente a natureza humana. Não se pode violentar o homem, é inútil aprisionar a alma das pessoas. Eles voltam, a alma e o homem verdadeiro. Por isso, é suicídio continuar brincando de desumanizar o mundo e de dessacralizar o próprio homem. A natureza está voltando a galope, o ser humano não suporta mais as prisões ideológicas, econômicas, amorais e brutalizantes. Os furacões que sacodem o mundo talvez sejam furacões da alma coletiva, a fúria do cansaço universal.

Institutos de pesquisas de opinião pública têm revelado sentimentos estarrecedores do povo brasileiro. Estamos sentados num barril de pólvora, uma breve chama fá-lo-á explodir. Apura-se, a cada dia mais, que os brasileiros não mais acreditam em suas instituições políticas e sociais. E sem instituições não há povo. Sem povo e sem instituições, não há nação. A classe política brasileira – e não há mais que falar-se em exceções, que existem mas se tornam inúteis – conseguiu destruir, ao mesmo tempo, a esperança e os sonhos dos brasileiros.

Sem instituições, resta apenas a anarquia. E já vivemos uma situação anárquica há muitos e muitos anos, ainda que finjamos ignorá-la ou tenhamos medo de fazê-lo. A grande – mas estúpida e falsa – justificativa que coloca é a de que o caos moral e político não pode chegar à economia. O argumento é estúpido. Como foi estupidez colocar a economia como valor supremo, loucura que nos levou à tragédia que já se não pode mais esconder. É criminoso inverter os papéis: a economia serve ao homem, não o homem a serviço da economia.

Por interesses econômicos e financeiros, brincou-se com tudo, com todos os valores e, até mesmo, com princípios. Se não há raízes, o que haverá de sustentar-nos? Brincamos com Deus, com a sexualidade, com a família, com o amor, com honra, com a dignidade, com a espiritualidade, com crenças – brincamos de destruir. Pois, se o lucro é o bem supremo, não interessa a origem. Na política, meios e fins misturaram-se, confundiram-se. Igrejas transformaram-se em bancos privados, uma sofisticada indústria da fé. A própria imprensa entrou em perplexidades tais que não reagiu diante daqueles que lhe sepultaram a função profética e missionária.

Os portugueses – nos tempos dos fios de bigodes e de nobrezas – socorriam-se da figura sóbria, sábia, firme do homem-bom. Eram âncoras, os homens-bons, os mais respeitáveis entre as classes dos nobres. O povo buscava-os, as nações ouviam-nos. Desde os gregos, a política é convocação de sábios, sensíveis, servidores, homens-bons na “ciência e arte de governar”. De tanto aplaudirmos os espertos, de tanto aceitar o uso de todos os meios para se atingir alguns fins – estamos, agora, diante da tragédia, do sinal vermelho, de atenção: política e políticos tornam-se sinônimos de indecência.

Precisamos reencontrar os homens-bons. Eles existem. Precisamos deles. A natureza voltou a galope. O homem quer voltar a ser humano. E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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