Aprendendo com taxistas

Esse texto foi publicado em 26 de agosto de 1979 em O Diário. E depois selecionado para o livro Bom Dia: Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Gosto de conversar com motoristas de táxi. Eles conhecem tudo. Falam por si e pelo povo. Ouvem sussurros de amor, queixas e lamúrias. Sintonizam a alma do povo. Carregam a dona de casa e o executivo, a rameira e a freira, o padre e o criminoso, o justo e o injusto. A todos, ouvem a síntese das emoções e opiniões humanas, sem perderem a sua própria visão de mundo e da vida.

Gosto de conversar com eles. Porque aprendo. Porque passo a compreender. E compreender é mais importante do que apender. E compreender é alma e coração. Aprender é apenas razão. E esta pode negar, a si mesma, a fonte de emoções que faz vibrar e viver. A razão, quase sempre, sepulta, mata, esteriliza. Quem conduz, pois, o santo e o pecador, o bom e o mau, o brilhante e o opaco, haverá de ter uma visão universal de vida. Motoristas de táxi têm-na. Não sabem, mas têm.

Ouvi de dois, no mesmo dia: “O povo vai explodir”. E, na certeza de que eles sabem o que dizem, estou temendo pela explosão. Só não a vê, na realidade, quem não quer. O estudante, na escola, quer explodir. O professor pensa em explodir. O executivo, no escritório, está explodindo. Até o Figueiredo prometeu explodir. A explosão está, pois, próxima.

O próprio motorista me disse, um deles, que explodirá. E dei-lhe razão. Começa a trabalhar às 6 horas da manhã, termina às 11 da noite. Tem que pagar 700 cruzeiros (NA- Moeda da época) diários ao dono da frota de taxi. Gasta mais 300 de gasolina. Precisa ganhar, no mínimo, 1.500 cruzeiros por dia, todos os dias do mês, para lhe sobrar dinheiro para o aluguel, a comida, a escola dos filhos. Não pode sequer pensar em sofrer multas, ter batidas no trânsito.

Está explodindo e não percebeu. E neurótico e não sabe. Com o aumento da gasolina, precisará que o governo aumente a bandeirada e o quilômetro corrido. Mas sabe que se o aumento vier, o povo não terá dinheiro para rodar de táxi. Vive na corda bamba. Sabe tudo da vida e não tira proveito disso. Vê os filhos apenas aos domingos. Quando sai, estão dormindo; quando chega, voltaram a dormir. Veio do Nordeste, mas não quer voltar. Ruim aqui, pior lá. São Paulo tritura-lhe a alma, mas sente a alegria quase sádica de estar por aqui. “Lá não se vive, aqui dá pra viver”, diz-me.

Viver? O povo brasileiro não vive, sobrevive. Angustia-me saber que está longe, ainda, o dia em que a vida deixará de ser, para milhões, uma simples luta para se transformar no que, na verdade, deveria ser: uma luta simples. Depois que comecei a conversar com motoristas de taxi, passei a abominar os que protestam contra os nortistas e nordestinos. Eles são, realmente, antes de tudo, forte s. É essa força que desfilam numa cidade que perdeu seu caráter elitista, mas que adquiriu um amálgama democrático verdadeiramente fascinante. Bom dia.

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