BBB e “bourrage de crâne”

“Igualmente a uma família, a nação se constrói com as virtudes de sua gente. Se se formassem com os vícios e mazelas das pessoas, não seriam família ou nação, mas turba desordenada e incontrolável. Ora, não me atreveria a dissertar ou discorrer sobre virtude. Mas o cenário é dantesco e, vai daí, surge um imperativo de consciência, do cidadão e do jornalista, de, pelo menos, comentar. Que, por virtudes de uma nação, se entendam, pois, os valores encarnados e vividos do povo. Virtude é a capacidade humana de agir bem. É o que nos torna humanos. E é dessa humanidade e desse humanismo que nascem famílias e nações.

Estou pensando no BBB, programa da Rede Globo. A pouco dele assisti, essa ode ao voyeurismo primitivo, apologia da vulgaridade. Bastou-me, porém, ver pedaços, cenas, instantâneos para ser instigado a um questionamento sério e grave: até que ponto os veículos de comunicação de massa têm o direito de impor uma cultura de vícios, de sordidezes, de agressões aos valores morais da nação, que ainda existem?

Tentei mas não consegui encontrar um único benefício de ordem cultural, moral, educacional que tais produções possam trazer especialmente aos jovens. Ora, não me digam tratar-se apenas de programas de entretenimento. Pois estes são, também, informação. E um veículo de comunicação, ao informar, mesmo como entretenimento, já está formando. Se informar mal, a formação será má. E se formar a partir da apologia de aleijões éticos e de malfeitos ideológicos, estará formando cidadãos também eticamente aleijados.

Esse atentado se torna ainda mais grave pelo fato de rádios e tevês serem concessões do povo, através do Estado, a particulares que prometem assumir compromissos para com os valores desse mesmo povo. Há que ter regras. E rígidas. O BBB é uma das escandalosas provas de nossa leniência diante da agressão à dignidade da população. Os apologistas do caos menosprezam a importância, para a juventude, de referenciais nobres, de modelos decentes, como se rissem do conjunto de virtudes da nação. No entanto, os jovens precisam, sim, de balizamentos e de referências a partir dos quais caminhem pela vida. Assim não fosse, não haveria necessidade de educação, de civilidade, de lar, de escola, de família.

Em 1914, na primeira guerra mundial, soldados franceses – aturdidos nas frentes de batalha – perceberam-se vítimas dos bombardeios de falsas e desvirtuadas informações. Foi quando criaram a expressão definidora daquele caos informativo: “bourrage de crâne”. Era a lavagem cerebral, o início do uso das técnicas de propaganda para o sequestro dos espíritos. Hoje, a “bourrage de crâne” se transformou numa das mais poderosas armas para a destruição da vontade e do espírito dos povos, ciência sofisticada que sabe como instrumentalizar a alma humana e gerenciar a inteligência e a consciência coletivas.

O Brasil, atualmente, está num patamar novo, despertando o interesse e admiração de outras nações. Mas um país não se impõe apenas pelo seu desenvolvimento material, solidez econômica, riquezas naturais. Uma nação se constrói, insisto, com as virtudes de sua gente. No entanto, nenhuma virtude é natural, surgida do nascimento. O homem se torna virtuoso. Da mesma forma, não há nações naturalmente virtuosas. Elas, também, se tornam virtuosas, como podem, em contrapartida, tornar-se viciosas. O Brasil – nesse deserto de reflexões e posicionamentos – vai-se deixando perder pela indefinição entre o vício e a virtude, entre o bem e o mal, entre o moral e o imoral. Daí, ir-se tornando um estado amoral.

A “bourrage de crâne”, essa lavagem cerebral imposta por meios de comunicação, por propagandas massivas que enaltecem o mercado, tornou-se o verdadeiro ópio do povo. Veja-se a evasão de candidatos ao magistério, o desencanto em relação à nobreza de ser professor, enquanto se multiplicam candidatos a atividades que prometem 15 minutos de fama, fortunas rápidas que, quase sempre, começam na cama. Para que ser professor ou professora, se a fama, a fortuna podem surgir de uma pocilga moral da tevê? Para que ser honesto e decente, se novelas enaltecem os espertos, os malandros?

Sem uma ordem moral verdadeira e uma definida hierarquia de valores, a animalidade prevalece sobre a humanidade. Essa herança, Kant no-la deixou há mais de 200 anos: “O homem só pode tornar-se homem pela educação. Ele é apenas o que a educação faz dele.” A educação brasileira tem sido promovida, com êxito total, pela “bourrage de crâne” de um BBB qualquer. Logo, o brasileiro está sendo feito à imagem e semelhança do BBB. E agora, José? ”

Bom dia.

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