Cigarros picados e tempos antigos
Passando, certa vez, por uma banca, surpreendi com um homem que se aproximou e pediu ao jornaleiro: “Eu quero três cigarros…” Pensei que fossem maços, carteiras de cigarros. Mas eram três apenas, que o jornaleiro tirou de uma carteira já aberta. Voltava-se, assim, a vender “cigarros picados”, como se dizia e como era antigamente.
Lembro-me de que, quando crianças, íamos às vendas, aos bares, comprar “cigarros picados”.Por força da necessidade, da pobreza que aumentava.
Muitas vezes, não tínhamos nem mesmo sapatos para ir à escola e, então, calçava-se apenas um pé, ficando o outro amarrado com pedaço de pano, um pouco de mercúrio-cromo, para enganar que estava machucado.
Conheço um poeta que em suas lembranças, me fala sempre da sensação de riqueza que ele tinha, numa cidadezinha do Interior de Minas Gerais, por ser o único dos meninos que ia à escola com sapatos nos pés. Eram tempos em que as pessoas chamavam os vizinhos por cima do muro e pediam: “Comadre, pode me emprestar uma xícarazinha de café, ou uma colher de sal ou de açúcar?”. E, por incrível que pareça, a pobreza do povo não era indigna, mas uma pobreza honrada, decente.
As portas e as janelas – ora, vejam que coisa incrível – podiam ficar abertas. E havia ainda os mais pobrezinhos que passavam todos os dias pelas casas e, silenciosamente e sem nada precisarem falar, já recebiam o prato de comida que sobrara, ou pedaços de pão.
Era a solidariedade que também existia. Os irmãos usavam camisas uns dos outros, sem dramas ou traumas. Cerziam-se meias que se rasgavam, remendavam-se roupas, fazia-se meia sola nos sapatos. Os cortadores de cana, lá na Usina Monte Alegre, iam de terno, ainda que surrado, assistir à missa dos domingos na capela da usina.
Penso que os tempos antigos voltam. E se, com eles, houver pelo menos o retorno da solidariedade, até que seria bom.