Destruídos à porta da escola

E, ao fim das contas, acabamos construindo uma sociedade de um consenso suicida, o da transferência de responsabilidades. Ou, pior ainda, da indiferença culpada. Trata-se de um paradoxo estúpido: insistimos nas liberdades individuais, tentando minar a autoridade do Estado, mas, diante de problemas sociais, transferimos as ações para o Estado, como se não tivéssemos responsabilidade alguma em respeito às mazelas, destruições em massa, colapsos morais.

Estaríamos revivendo um tempo de questões bizantinas? Pois me parece que, num outro contexto, vivemos discutindo questões supérfluas enquanto o inimigo toma de assalto nossas fortalezas, como aconteceu com o Império Bizantino, Constantinopla ameaçada enquanto filósofos e teólogos discutiam o sexo dos anjos. Não seria isso que estamos fazendo, discutindo inutilidades enquanto crianças, adolescentes, jovens, destroem-se diante de nossos olhos, às nossas portas? Em vez de agir, discutimos; em vez de enfrentar a verdadeira pandemia de drogas, criamos mesas redondas para avaliar se não seria melhor descriminalizar o mal, quando é necessário cortá-lo pela raiz.

Quando Fernando Henrique – hoje, um patrono da descriminalização de drogas – falou que a humanidade não vive sem elas, como não vive sem sexo, estivemos diante da mais retumbante declaração de fracasso, do mais clamoroso nocaute moral. E ficamos quietos, como se a palavra de um ex-intelectual nos bastasse. Enquanto isso, nossa juventude – e também a infância – está sendo dizimada pelas drogas, a mercê de monstros insensíveis que não poupam inocentes para manter funcionando a riquíssima doutrina do tráfico.

Claro que o problema é grave. Mas há que começar a ser enfrentado a partir de um primeiro passo. E, pelo visto, tem que ser dado pela sociedade civil, afastando a classe política disso, pois esta não sabe agir sem avaliar custos e benefícios em relação ao voto. Se há que se enfrentar o jogo, aguardar o quê de políticos, se grande parte deles tem sua carreira mantida por banqueiros de todas as formas de jogatina? Como enfrentar, a partir de políticos, as drogas, se há envolvimentos graves de polícia, também de judiciário, de membros do Legislativo e do Executivo envolvidos ou vitimados por essa desgraça? Ou estamos satisfeitos com o sol tapado com a peneira, inventado por José Serra, ao criar leis contra cigarros, esquadrões da fumaça, verdadeira cruzada implacável contra fumantes? Estamos brincando de quê?

Há dois ou três dias, dei-me conta de minha cumplicidade e impotência diante desse genocídio, passando pela calçada fronteiriça ao Grupo Moraes Barros, um dos ícones educacionais de Piracicaba, mais do que centenário, plantado no coração da cidade. Naquela calçada, à luz do dia e diante de passantes, quatro adolescentes – três garotos, uma menina – pareciam bichos, enroscando-se uuns nos outros, querendo sexo, usando a garota como pasto, enquanto os quatro cheiravam crack livremente. Não havia um fiscal de escola, nenhum policial, nenhum guarda. E nenhum cidadão – eu, incluído – capaz de tomar alguma atitude, um pedido de socorro, um grito de alerta.

A lassidão moral de nossos tempos e a loucura do relativismo irresponsável permitem erros fundamentais de avaliação, perda de senso de responsabilidade e da noção de sociedade como estrutura humana. Passamos a acreditar em diversas alternativas, quando alternativa é apenas uma coisa ou outra, uma escolha. Possibilidades pode haver muitas, alternativa é isso ou aquilo. Estamos diante de uma alternativa: ou deixamos os jovens ser destruídos ou lutamos para salvá-los. Logo, seremos destruídos juntos ou nos salvamos todos. Bom dia.

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