E Frankenstein voltou

FrankensteinAinda se impõe – ou, talvez, mais em nossos tempos do que antes – a clássica pergunta, com respostas ainda conflitantes: a arte imita a vida, a vida imita a arte? De minha parte, ando cada vez mais inclinado a concordar com Oscar Wilde para quem a vida imita muito mais a arte do que esta, a vida. Pois a transformação do impossível no possível se tornou espantosa.

Quando Orwell escreveu o profético “1984”, poucos acreditaram fosse, a obra, mais do que a fertilidade de sua imaginação criadora. E a leitura dos livros de Júlio Verne, quem poderia crer – há uma 40 anos – que praticamente tudo se tornasse realidade, o homem conquistando a Lua, chegando aos espaços antes inatingíveis? E o “Admirável Mundo Novo”, de Huxley, que prenunciou muito do que já está acontecendo: sociedade de castas, falência da família, das religiões, as pessoas pré-condicionadas biologiamente, condicionadas psicologicamente, inseguranças humanas resolvidas a partir de drogas? O próprio Flash Gordon, herói em quadrinhos da minha infância nos 1940, está aí, solto nos espaço, saindo de cápsulas que conduzem astronautas a estações orbitais.

A ciência fez desaparecer alguns conceitos de milagres, tidos, então, como referências a algo que se não conhece. E estamos vivendo tempos de um esplendor científico assombroso, que faz o homem orgulhar-se de sua inteligência e conhecimento. A humanidade recebe benefícios intensos, mas é vítima de malefícios nunca antes visto, pois aquilo que a ciência descobre pode ser usado tanto para o bem como para o mal. Eis aí a bomba atômica, pairando como um fantasma sobre o mundo, mas nascida da admirável descoberta nuclear voltada para o bem. O mesmo princípio que pode salvar pode também matar. Como a televisão: o mesmo veículo que pode construir, pode destruir. Ou seja: o anjo e o demônio continuam habitando dentro de nós.

O monstro criado por Frankenstein – cientista louco que construiu um ser repulsivo em seus laboratórios – se imortalizou a partir da memorável interpretação do ator Boris Karloff. A criatura passou a ter o nome de seu criador, Frankenstein. E é o monstro que vem à lembrança, como se tivesse sido realmente profética criação, a partir do momento em que cientistas anunciam ter conseguido criar o que foi anunciado como “vida sintética”. Com dados de um computador, provou-se ser possível transformar algo sem vida em vida. Tanto assim, que o cientista responsável deu, a seus estudos e descobertas, o título de “Criation”. O dr. Frankenstein, enfim, se apresentou a partir da parafernália fantástica da ciência e da tecnologia de nossos tempos.

Desde a clonagem da primeira ovelhinha, há uma sombra de temor pairando sobre a humanidade: teremos a clonagem, também, do ser humano? Agora, outra sombra ainda mais perigosa: será possível, dentro de poucas décadas, criar um ser programado conforme as exigências, digamos, do mercado? Essa descoberta, já declararam os primeiros cientistas que a analisaram, poderá permitir que se criem, no futuro, “pessoas” destinadas a trabalhos menos dignos. Ora, a ciência é a certeza de um momento. No momento seguinte, ela se expande ou se nega.

Prometi-me não me preocupar com isso, pois venho de um mundo antigo admirável – ainda que com seus limites ou “et pour cause” – em que se cultivavam a honra, o respeito, o espírito, a dignidade, o pudor, a civilidade e princípios universais. Já desisti de acompanhar o ritmo alucinante disso que estamos vendo. Pois aprendi que, se é preciso coexistir com tudo, conviver é escolha minha. E convivo com quem e o que me interessa, mesmo porque não mais tenho tempo de vida a perder com expectativas e incertezas.

Há mais de 40 anos, mergulhei em estudos apaixonantes de história, mitologia, ciência das religiões, filosofia, teologia e ainda descubro maravilhas insondáveis do ser humano. Descobri que livros sagrados – de todas as religiões e culturas – são, na verdade, livros de sabedoria e que suas parábolas, metáforas e proposições se revelam como sugestões de vida comum à humanidade. Assim é, parece-me, com a proibição de o homem se aproximar da Árvore do Conhecimento, onde estava o fruto do bem e do mal. Se experimentasse do fruto, o homem seria expulso do paraíso. Eva e Adão simbolizam a primeira tentativa de o humano tornar-se Deus. Perdemos o paraíso e ainda não aprendemos a lição, insistindo em ir para o inferno.

Continua a acontecer, cada vez mais acelerada e continuadamente. E eu penso naquela frase que se espalhou por muros e paredes de todo o mundo, quando o enlouquecimento se foi tornando geral: “Parem o mundo que eu quero descer.” Eu já desci. Sem ser cientista e sem ter laboratórios, construo o meu pequenino e belo mundo pessoal no qual o dia presente é muito mais feito da soma dos dias e experiências passadas, do que uma projeção para o futuro, que não existe. É tolice presentificar o passado. Tolice maior, no entanto, é presentificar o futuro. E estamos brincando de antecipar o que há de vir. Que projeta uma visão do apocalipse. Bom dia.

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