E se não fosse jornalista?
A presidenta da República, o Congresso Nacional, o Ministério da Justiça, todos reagiram energicamente diante da estúpida e brutal morte do jornalista Santiago Andrade. E praticamente todos os veículos de comunicação – em uníssono, como “nunca se viu antes neste país” – enfureceram-se, unidos pelos mesmos protestos. É óbvio que a morte de Santiago foi profundamente lamentável e motivadora de indignações. Mas será que essa movimentação toda, essa onda de protestos – em todas as esferas do poder, incluindo imprensa – teriam acontecido se Santiago Andrade fosse um cidadão anônimo, mais um dos milhões que são, diariamente, ameaçados no nosso cotidiano?
Parece que, agora, providências enérgicas deverão ser adotadas, pois políticos – especialmente em ano eleitoral – sentem-se coagidos não mais pela voz das ruas, mas pela voz retumbante dos meios de comunicação unidos. É como se fosse a primeira morte brutal, estúpida, bárbara, selvagem ocorrida no país. E muitos desses veículos – não nos esqueçamos disso! – ficaram filosofando, sociologizando movimentos de massa, sem se cuidarem das barbáries que já vinham acontecendo. A alegação foi sempre a mesma: “o povo tem o direito de protestar, estamos numa democracia.” Isso seria verdadeiro se, realmente, estivéssemos numa democracia, na qual não cabe a violência sob qualquer pretexto, e o poder da força é exclusividade do poder político. Até os “Black blocs” foram vistos com simpatia, alegando-se, também, o absurdo e falso direito democrático de suas manifestações baseadas na violência.
O Brasil está, há muito tempo, entregue à violência, incluindo a policial. No entanto, a análise dessa realidade traumática e inaceitável tem sido distorcida e, no mínimo, levianamente interpretada. Lança-se a culpa muito mais no despreparo e na agressividade da Polícia, como se esta tivesse que usar luvas de pelica para tratar com bandidos e vândalos. Já insisti aqui na 3ª. Lei de Newton, da ação e da reação: violência gera violência, violência é respondida com violência. E, por enquanto, os bandidos estão vencendo, como se já tivessem criado um estado paralelo, independente e feroz. Um bando de marginais experientes conseguem, de dentro dos presídios, articular todas as formas de desarticulação do estado. Mas, até aqui, não encontram resistência que desmonte as suas organizações.
Recordo-me de que – aqui, deste mesmo cantinho – coloquei dúvidas até mesmo nas manifestações democráticas de junho. Pois era previsível que aquela movimentação pacífica seria usada por interessados em conturbações, aproveitando-se até mesmo – ou especialmente – delas como instrumento de política-eleitoral. Ou, também, como meio útil para desestabilizar governos. Aconteceu. Mas a irresponsabilidade de grande parte da imprensa grande procurou, antes de mais nada, encontrar brechas para – na sanha insaciável de destruição – atingir a presidenta Dilma. Mas e os governadores de estado, prefeitos das cidades onde a barbárie e o vandalismo acontecem?
A morte de Santiago de Andrade foi, realmente, resultado de ação bárbara na qual, ao que já se apura, estiveram mercenários pagos. Mas toda a movimentação que se faz agora – importante, sim, como reação – teria acontecido se Santiago não fosse jornalista? A reação faz parte do “espirit de corps” ou é esforço consciente, responsável para que o Brasil se envergonhe de si mesmo e consiga revelar, ao mundo, que – ainda que emergentes economicamente – sabemos o que é civilização? Se isso vier a acontecer, a morte de Santiago Andrade terá sido providencial para voltarmos a ter vergonha. Pois é, antes de mais nada, vergonha o que falta a este país. Penso eu. Bom dia.