Filosofando sobre pipoca

picture (70)Confesso ter sido incansável leitor de “Superinteressante”, esbaldando-me, também, com almanaques de cultura inútil. Mesmo assim, surpreendi-me: quando, lá, iria, eu, pensar na quantidade de pipoca que comemos, os brasileiros? E olhe que tenho aprendido coisas de vital importância para a vida. Por exemplo: gota d´água, ao contrário do que se pensa, não é redonda. Conforme o tamanho, fica achatada como hambúrguer ou assume o desenho de um pára-quedas. E mais: os micos-leões pretos e dourados são, em sua maioria, destros. Não é formidável?

Espantou-me saber que o Brasil é, depois dos Estados Unidos, o maior consumidor de pipoca no mundo: 70 mil toneladas por ano. Os gringos comem 400 mil toneladas e ainda reclamam de obesidade. Mas, penso eu, deve haver erro nesses cálculos. Nos números brasileiros, trata-se de pipoca, pipoca mesmo, ou de “pop corn”? Porque, parecendo a mesma coisa, não são. “Pop corn” é milho de gringo; pipoca é nossa, muito nossa, de índio. Certo dia, o tapuia viu que, no fogo, o milho pulava e fazia “plof”. Um monte de milho também pulava e fazia “plof, plof, plof”. Índio gritou: “pi poc”. Ou seja: “a pele que estala”. Batizada estava, pois, a gloriosa pipoca, bênção da Ceres romana e da Deméter grega.

Ora, é fácil entender porque “pop corn” não é pipoca. Quem tem alguma erupção na pele, fala: “Minha pele empipocou.” – ou não? Quando o jogador do São Paulo dá um pulinho pra cá, outro pra lá, fala-se dele o quê? “Pipoqueiro, pare de pipocar.” Não se fala de pele “pop corneada” ou que jogador “pop corneô”, até mesmo para não se induzir a outras e más interpretações.

São, pois, números comprometidos. No cinema, para microondas, vende-se “pop corn”, que é pipoca para bobo ver e comer. Tem nome de gringo, custa mais caro, mas vem de Bento Gonçalves. E, aqui entre nós, milho de pipoca de verdade, pipoca pipoca mesmo, essa se compra em feira. Ou em Tanquinho. E gente fina não come pipoca de Tanquinho em cinema.

Mas dá para pensar. Quando li a informação, há alguns anos, uma rede de cinema – com 290 salas em 19 cidades – vendia 5 milhões de sacos de “pop corn” por ano. Com Coca Cola. É cultura de gringo. Cujo refinamento, aliás, se vê em delicados hábitos de alguns personagens de filmes: lavar o rosto e escovar os dentes na pia da cozinha, amar sem tomar banho. Logo, virá a moda de caviar com katchup. Brasileiro, imitador, pensará ser o auge da pós-modernidade.

Quanto a cinema, admito ter minhas frescuras, que o pessoal do “forreggae” diz ser coisa de “elitchista”. Que seja. Mas, convenhamos: cinema não é a sala de tevê da casa de cada um. Ou é e eu não sabia. Antes, o que se permitia era o garoto com o tabuleiro, anunciando, antes de iniciar o filme: “balêro, balêro.” E vendia bala, chicletes e amendoim. Para o escurinho do cinema, bastava.

Ora, quem leva pipoca e bebida à igreja? E, à missa, quem lambe os beiços comendo hambúrguer, mostarda e katchup? Cinema é, também, templo. De arte. Que exige postura, silêncio, como teatros e bibliotecas. Se ainda há lugares públicos que separam ambientes – fumantes e não fumantes, por exemplo – por que cinemas não criam sessões optativas: cine-filme, cine-lanchonete? Fritura e romance não combinam. Acho.

Imagine a cena final de “Casablanca”, o Humphrey Bogart deixando a Ingrid Bergmann ir-se, “As times goes by” machucando a alma. E, ao lado, um desgraçado mastigando e chupando canudinho: “ploc, ploc” “glu, glu, glu”. Não há sonho que sobreviva. Mas isso – quê fazer? – deve ser coisa de “elitchista”, né? Bom dia.

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