“Quem for homem cuspa aqui…”

Certamente, são neuroses, mesmo porque eu as tenho todas, delas me alimento. Pois assumi, faz algum tempo, a delícia de minha humanidade. Ser super-homem cansa. Vai daí, confesso a consciência que tenho de, nos últimos tempos e nas minhas escrevinhações, vir fazendo muita parceria com Deus e com deus. Esses meus contatos imediatos de primeiro grau – e de segundos e de terceiros – com eles revelam, na verdade, minha ignorância. E meus aturdimentos, perplexidades e espantos. Não entendo mais nada, faz tempo que nada mais entendo.

Continuo nada entendendo, incluindo a vida e todas as vãs filosofias. Tentei. Não consegui. Mas, por ter tentado, devo ter violado algum código, pois os céus me impuseram um castigo: “Haverás de escrever com o suor de teu rosto.” É maldição. Pois eu não precisaria escrever para viver. Viver escrevendo é complicado demais, difícil, perigoso. Ter carrinho de pipocas é mais vantajoso que ser jornalista e escritor. Essa prova eu a tive num cinema de shopping: a vendedora de pipoca me confirmou que, em final de semana, ela vende cerca de três mil saquinhos da tal “pop corn”. Pipoca. São, por mês, 12 mil saquinhos de pipoca e, um real cada um, 12 mil reais mensais. Fora os quebradinhos de dias úteis. Sonho de qualquer escrevinhador.

Seja maldição, seja castigo, Deus e os deuses me desculpem: estou cansando. É desgaste demais. Antigamente, jornais e livros destinavam-se a pessoas minimamente alfabetizadas, mas especialmente a pessoas com necessidades críticas e de informação. Estas, felizmente, ainda existem e são muitas. Mas, agora, há uma outra realidade em paralelo: não há necessidade de alfabetização ou de compreensão para ler. “Lê-se de ouvido”, não sei como isso é possível, mas é. O “leitor de ouvido” não lê, vê. Logo, uma leitura sem reflexão, como se a palavra escrita fosse som ou imagem de televisão. “Ler jornal” está significando “bater os olhos nos títulos, nas manchetes”. E “ler livros” é ler a sinopse deles ou a “orelha” da edição. A partir disso, todos se consideram muito bem informados.

Ora, é óbvio que estou triste. Triste demais. Há uns vinte anos, eu me martirizava quando leitor não me entendia, pois eu tinha certeza: a culpa era minha. Havia um princípio: todo leitor é inteligente; logo, se não entende o que leu, o burro é quem escreveu. Com o “leitor de ouvido”, essa lógica mudou. Fica difícil. É o caso de uma certa dona N., leitora que me assustou com suas grosserias e vulgaridades. Em toda a minha já longa carreira, nunca tinha me deparado com grosseria igual. Até duvidei que dona N. fosse mulher, pensando tratar-se de um daqueles caubóis de filme de bangue-bangue, que voltaram à moda…

Ora, é-me natural e cristalino respeitar a opinião dos leitores, o mínimo de minha obrigação como parte de uma sociedade livre e de uma profissão que tem a liberdade como alimento e respiração. Mas agressões tolas, não. Pois – se há homens grosseiros, estúpidos, brutos – há, também, mulheres abrutalhadas, um tipo de mulher que me assusta, de que tenho medo. Não entendo a vida sem o feminino me complementando. Mas sou incapaz de conviver com mulheres como essa dona N., com o útero da alma seco, furibunda, histérica diante do mundo e da vida. Ela nem sequer se deu ao trabalho de, em sua “leitura de ouvido”, perceber que o texto sobre o massacre da mulher – que transcrevi em uma de minhas últimas croniquetas – era compilação e transcrição de um código da Inquisição para perseguir feiticeiras. Ao revelar aqueles textos, eu apenas mostrara que o dito “massacre” sobre a mulher muçulmana tem a mesma história em relação à mulher cristã. Dona N. “leu de ouvido”, pensou ser aquela a minha opinião e partiu para a agressão grosseira e chula. Se ainda houvesse Inquisição, ela iria para a fogueira, como bruxa perigosa.

Mas sou teimoso. Preciso, apenas, captar os sinais dos tempos. E, em vez de ficar com medo de uma minoria de mulherada histérica, grosseira, talvez seja melhor enfrentá-las. De homem para homem. Por isso, já sei o que fazer com Dona N.. Vou, como criançada de antigamente, fazer um risco no chão e desafiá-la: “Quem for mais homem, cuspa aqui.” Ela vai ganhar, querem apostar?

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