Greve dos machos e o feminino

Após ler um suplemento dedicado à mulher, tão aflito fiquei que — até por instinto de sobrevivência — imaginei um movimento universal, reação dos machos da espécie. Pois uma dessas bobalhonas proclamou “urbi et orbe” na linguagem das mal-amadas: “Os homens são dispensáveis.” Ou seja: para a madama, nós, machos, não servimos mais nem para empurrar carrinho de supermercado. E cito apenas tal atividade fundamental — supermercado e carrinho — por sempre ter-me sido, esse, o principal dever conjugal masculino. Sou excelente condutor de carrinhos em supermercado. E abro outro parêntese, nesse meu tempo de necessidades vitais de preâmbulos, intróitos e de parênteses. Pois, atualmente, ou se fica em silêncio ou se explica cada palavra.

Pois recordei, ainda, do admirável tempo em que Madalena, o travesti mais famoso de minha terra, foi trabalhar em casa. Ora, eu nunca soube trocar uma lâmpada, apertar parafusos ou bater em cabeça de prego. Carrinho de supermercado já é demais para mim. Numa tarde epifânica, cheguei em casa e lá estava a grande e maravilhosa surpresa: minha mulher contratara Madalena como faxineira, arrumadeira, para serviços gerais. Suspirei de alívio e de prazer: “Enfim, esta casa tem um homem!”, exultei.

Parêntese fechado, retorno à entrevista da bobona que acredita a humanidade não mais ter necessidade alguma de homem, do macho. Ora, até admito, em questões afetivas, a decepção do mulherio com certa homarada por aí. Não sei como os meus semelhantes machos têm-se comportado lá nas coisas íntimas de cada um deles, mas ouço queixas femininas: “Não existe mais homem.” Inquieto-me, feliz da vida, porém, em minha tenda árabe. Mas — ô, caramba! — e as outras funções do macho, como podem ser dispensáveis? Por exemplo: carregar saco de lixo de cem litros; trocar a resistência do chuveiro; matar barata; buscar filho adolescente de madrugada; tomar satisfações com vizinho cafajeste, que deseja a mulher do próximo; trocar pneu de carro; ser acompanhante em aniversário de criança; ir a velório de tio-avô; dar propina para o guarda na infração de trânsito?

Sabem, aquele glorioso brado retumbante: “Trabalhadores de todo mundo, uni-vos!”? É verdade que não deu certo, mas eu pretendia deflagrar a greve dos machos: “Homens de todo mundo, uni-vos!” Os machos em greve, que mulher ocuparia o lugar do idiota do bombeiro, enfrentando o fogo e salvando vidas; do idiota do policial, matando e morrendo na guerra contra os bandidos do Marcola? Sem homem, quem mandaria a senadora Heloísa Helena calar a boca? E quem, não fosse um homem, teria amansado a Marta Suplicy? Ora, ninguém duvida de que qualquer mulher competente vence um homem — “remember” Eva com Adão, Dalila com Sansão. Mas é preciso ser muito macho para botar em sossego o diabo quando ele se esconde numa mulher com ataque de nervos. O que pode haver de mais amedrontador do que mulher em fúria?

Desisti de liderar a greve dos machos por conveniência, a certeza de mudanças, a lembrança da doçura feminina, a convicção de que, finalmente, aquele machismo feminista chegou ao fim. Agora, em vez de queimar sutiãs, há um mulherio inteligente que assume o “eterno feminino”. E, sem medo de ser feliz, está aí todo cheio de graça e de sabedoria, vestindo as mais belas lingeries, piscando os olhos à la Brigitte Bardot, fazendo beicinho à Marilyn Monroe, fofinha, perfumadinha, fingindo-se burrinha, quietinha, suspirante, arfante, ficante, bacante, amada e amante, trazendo o homem de volta. Bendito Goethe, retornando do túmulo. Nele, pensei, quando — apesar de uma que outra boboca — a feminilidade retorna à raça humana.

A tragédia faustiana parece chegar ao fim ao suspiro de Goethe: “O eterno feminino para o alto nos arrasta.” Desisto de deflagrar a greve dos machos às primeiras luzes dessa alvorada, quando homem e mulher, outra vez, buscam a “concordia discors”, a “harmonia na discordância”. Sei lá, mas, da fundura dos tempos, a soturna sabedoria de Heráclito reaviva-se: “Tudo flui e nada permanece; tudo se afasta e nada fica parado. Você não consegue se banhar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras sempre vão fluindo.”

E conclui, o pensador, em sabedoria que se tornou eterna: é na mudança que as coisas acham repouso. Tudo mudou para continuar igual como era.

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