Infância nas ruas

Infância na ruaCerta vez fiquei olhando, à porta da padaria. Os meninos chegaram, eram quatro. Todos molambentos, roupas sujas, rotas. O que me impressionou, no entanto, foram os olhos. Baços, apalermados. São meninos que não aparentam idade. Poderiam assim ter 7, 8 ou 10 anos.

As pessoas, dentro da padaria – eu as vi pelo vidro do carro – ficaram com medo, pois se retraíram.

Eles chegavam e estendiam a mão. Mas não pediam. Era como se exigissem. Um homem, com um filhinho no colo ofereceu pão aos meninos. E eles se recusaram. Queriam dinheiro. E mostraram-se hostis.

As pessoas, então, se recolheram, olhando-s de soslaio, prevenidas. Estavam ali, na realidade, pequeninos assaltantes. E eles causam e despertam medo, isso o mais horrível de tudo: crianças que causam medo.

Lembrei-me de mim mesmo, de como me comporto quando vou a São Paulo, até mesmo em Campinas, em alguns cruzamentos, quando garotos se aproximam par alimpar o parabrisa, ou vender limões ou flanelas. Mantendo o vidro fechado, a quase certeza de uma agressão. Transformou-se em paranoia, em neurose, ou é uma situação de legítima defesa?

Preferia que fossem neuroses ao invés de uma realidade assustadora e destruidora de esperanças. Pois, se fossem paranóias, o problema seria apenas de cada um de nós, esse medo sem sentido. Desgraçadamente, porém, não são. A tragédia está nas ruas, uma tragédia nacional. As crianças perderem o seu maior patrimônio que é a sua própria infância.

E, desgraçadamente também para mim mesmo, não acredito em recuperação de meninos-de-rua. Da mesma forma como não acredito em recuperação de prisioneiros, desses que ficam muitos anos em celas de nossas prisões infames.

A alma humana tem sensibilidade infinitamente superior a uma pétala de flor. Esta, quando tocada, machuca-se. A alma humana deve ser a memória das pessoas, onde tudo se registra, onde tudo fica. Não me esqueço de um filho adotivo que tive, vindo das ruas. Ele já tinha quatro anos, quando o recolhemos. A alma já estava marcada. E não houve lar, amor, coisas, psicólogos, analistas que conseguissem remendar-lhe a alma, unir os cacos, colas os pedaços que haviam arrebentado nas ruas, na violência.

É isso que e assusta, vendo essa legião de crianças que se apoderaram das ruas. Não consigo ver – por mais que o quisesse – como fazer para que se lhes devolva a humanidade. Estamos pagando o terrível preço de irresponsabilidade social.

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