O Tempo e a Copa
Entre as tantas complexidades da vida, a noção de tempo, o Tempo, parece-me uma das mais perturbadoras. De Pitágoras a Platão, de homens de ciência a religiosos, todos se arriscam a emitir conceitos. E, pelo menos para mim, posso até compreender, mas nunca consegui entender. Prefiro viver com a noção ilusória de não ser o Tempo que passa, mas nós que passamos por ele. Assim, vamos aos trambolhões, caindo, levantando, escorregando e, de atrito em atrito, a criança pode chegar à velhice. Logo, velhice é proximidade do fim. O homem passou, o Tempo continua.
Uma das primeiras e mais angustiadas perturbações sobre o Tempo, conheci-a na infância, numa aula, acho, de educação religiosa. Alguém falara em eternidade e o professor tentou explicá-la com um exemplo que me pareceu terrível. Ele pediu que imaginássemos uma montanha muito alta, toda feita de diamante. De cem em cem anos, um passarinho chegava ao cimo da montanha e lhe dava uma bicada. Quando a montanha tivesse sido destruída pelo pássaro, ter-se-ia, então, passado o primeiro segundo da eternidade. Deu medo.
Agora, vejo emissoras de tevê elaborando grandes programas para celebrar o 80º aniversário da Copa do Mundo. E me dou conta de que, de todas as Copas, nestes 80 anos, apenas não acompanhei as de 1930 , 1934 e 1938, pois sequer havia nascido. Quando, após a II Guerra Mundial, tudo recomeçou, em 1950, lá estava eu, criança de 10 anos, ao lado de meu pai ouvindo, pela Rádio Nacional, a tragédia de nossa derrota diante do Uruguai, no Maracanã. Tudo me continua vivo na memória: meu pai e eu, na cozinha da casa, o enorme rádio de válvulas, a pequena mesa de madeira compensada. Quando o jogo terminou, meu pai urrou e deu um murro na mesa, rachando-a. E saiu de casa para chorar. E eu fui chorar no quintal, acho que mais com pena de meu pai do que de dor pela derrota.
O fracasso de 1954 na Suiça, quando havia tanta esperança. Quase todos discordavam da retranca de Zezé Moreira, mas havia a estréia do novo uniforme com as camisas amarelas. A grande sensação foi a Hungria, derrotada pela Alemanha na final. Mas ninguém haveria de se esquecer de Ferenc Puskas e seus companheiros, enquanto o Brasil era massacrado com um time forte, de grandes estrelas, como Castilho, Bauer, Didi, Professor Rubis(Rubens), Julinho, Pinga, Baltazar. E a alma lavada em 1958, na Suécia. Parece que, ainda agora, estou lá, num apartamento em São Paulo, ao lado de Paulo Sérgio Maluf, de José Carlos Brasil, companheiros de estudos, picando papel para comemorar. A explosão da vitória nos levou às ruas, junto à multidão alucinada na Avenida São João.
Uma a uma, as Copas do Mundo se realizaram, incluindo a Copa da Ditadura, a de 1970, quando o Brasil formou, realmente, um dos mais admiráveis times do futebol do mundo. Pensar, porém, que, desde o início das copas, já se passaram 80 anos é, de uma certa forma, entender que tudo aconteceu, de bom e de ruim, nessas oito décadas marcantes para a humanidade. E me assusto ao pensar que, com exceção das três primeiras, acompanhei todas as outras. É tempo demais! Mas, em vez de apenas dar graças por todo esse tempo e por toda essa oportunidade, estou, mesmo, é assanhado para continuar vivo e poder acompanhar os dois formidáveis acontecimentos que nos aguardam no Brasil: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Ora, se aguentei até aqui, por que não conseguirei chegar até lá, com agora tão poucos anos faltando. Se o tempo é imóvel, preciso, apenas, ir mais devagar, sem arroubos, sem ânsias demais. Para chegar é preciso, às vezes, ficar. Bom dia.