Interpretando sinais.

Não sei se já aprendi. Mas foi-me, um dia, ensinado que precisamos aprender a interpretar a vida também nos acontecimentos. Pois a vida flui na história dos homens, mesmo que seja um presente divino. Entre tantos outros, lembro-me de dois pensadores – que foram apequenados pelos modismos intelectuais de novos tempos – que tentaram dizê-lo de forma poética e simples: Michel Quoist e Saint- Exupéry. Continuam esquecidos, mas, a uma simples leitura deles, mostram-se inteiramente vivos.

No entanto, os nossos são tempos de almas amargas, tempos de negação da vida no que possa ter ela de mais bonito e simples. Pois, de repente, a simplicidade deixou de ser o ideal da sabedoria, substituída por complexidades que não resistem a qualquer análise mais séria. O difícil e o ininteligível se tornaram mais importantes num tempo também de complexidades até mesmo, e também, nos sentimentos. Chegamos ao cúmulo de acreditar que o homem feliz é o que se aproxima de um ideal maluco de não ter sentimentos e emoções, de ser frio como gelo, sem alma e com coração de pedra.

Sei lá como chegamos a isso, mas o fato é que as pessoas vão sendo treinadas a esconder e ocultar sentimentos. A conseqüência disso é que número assustador de pessoas parece não crer em mais nada e, ao mesmo tempo, vai se apegando a tolices e até mesmo a superstições, desde que fujam ao seu pequenino mundo racional. Ora, os grandes místicos – como também exploradores da boa fé pública – surgiram sempre em tempos difíceis, em eras de materialismos exacerbados e de rupturas descontroladas. Vai-se, então, em busca do sobrenatural onde existe o apenas simples e natural. Então, o fogo, numa simples vela acesa na escuridão de um quarto de pai de santo, se torna parte do mito. E a água, de repente, se torna a mãe água, a que lava e purifica, não importa esteja poluída. O desconhecido atrai, mas nega-se o divino.

Há alguns anos, contei, a alguns amigos, que o dedo de Deus tinha aparecido num noticiário de televisão. Em vez de me terem como louco, eles me olharam curiosos e espantados. Fizeram silêncio e, então, lhes contei. O repórter mostrava o fenômeno da gasolina que brotava do chão, que invadia casas, que formava poças em quintais. E o jovem jornalista dizia lamentar-se de os telespectadores não poderem sentir o cheiro do líquido, “gasolina pura”. Ele sem o saber ou querer, derrubava e destruía o mito da televisão, o veículo que pretende sintetizar o mundo em pequeninas telas coloridas. Declarava, pois, o fracasso do veículo, mostrando o líquido e não podendo transmitir o cheiro.

Resolvi interpretar os sinais à minha maneira e decidi que, ali, estava o dedo de Deus, mostrando coisas para quem quiser ver. Pois, enquanto nações inteiras se matam e guerreiam por causa de combustível e energia, famílias inteiras, naquela reportagem, estavam desesperadas porque a gasolina, jorrando do chão, inundava-lhes casas, quintais, calçadas. Era terrivelmente irônico e até mesmo cruel: famílias que, talvez, não pudessem comprar combustível para seus carros, agora estavam desesperadas por ver a gasolina inundando-lhes as casa.

Disse, pois, aos meus amigo a minha interpretação diante dos sinais: Deus está zombando de nós. Aliás, nada mais tem feito ao longo da história: zombar de nós, da nossa teimosia, de vaidades estúpidas, de suicídios perversos, de nossa fuga da simplicidade para abraços letais em complexidades sem sentido. Aquela gasolina, que provocava tanta perplexidade e medo, estava, obviamente, saindo de algum cano furado de posto de combustível. E foi o que se provou. Mas ficou mais bonito inventar que lá estava o dedo de Deus. À época, aprendi uma lição: já estávamos loucos. Bom dia.

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