“Korean City” e presídio

Em meu entender, trazer indústrias coreanas e presídio para Piracicaba tem grande sentido, como se uma coisa estivesse ligada a outra. Haverá, como já houve no passado, infestação industrial não pelo fato do aparecimento de novas indústrias, mas pelo absoluto descaso para com a questão social. A favelização de Piracicaba começou na década de 1970, quando, atropeladamente, se criou o Distrito Industrial em local equivocado, acolhendo grandes empresas sem que a cidade tivesse estrutura para abrigá-las. O prefeito da época perguntou: “O que é essa questão social?” O de hoje nem mesmo pergunta. É algo que não lhe interessa.

Piracicaba está deixando de ser um lugar de viver, graças à competência gerencial do tucanato no poder e seus vínculos empresariais. Nos últimos dias, mais um leitor protestou contra o calamitoso atendimento à saúde, comparando lixo e luxo. As ruas já estão intransitáveis, apesar de toda a administração pública estar voltada para os automóveis: rotatórias, alargamento de avenidas, pontes. Os coreanos estão sendo absolutamente privilegiados, desde a discutível instalação de uma empresa em Artêmis. Grandes condomínios – para alegria de proprietários de terras, para imobiliárias amigas e empreiteiros da casa – abrem-se em lugares paradisíacos que tornariam aqueles espaços privilegiados, não fossem maldições que pesam sobre Piracicaba. Uma delas, trazida pelo próprio prefeito, e ele sabe disso e sabe do porquê. Outra, a do fantasma da Inhala Seca, no Bongue, onde tudo foi feito para acolher novos milionários, mas sem levar em conta o mistério da história e as graves lendas do rio. Bruxas existem.

Num tempo de alta tecnologia, é desonestidade dizer que tais empresas altamente especializadas trarão novos e muitos empregos à população. Trarão novos técnicos, novos especialistas e, ao mesmo tempo, turbas de desempregados que, novamente, virão em busca do Eldorado, como aconteceu antes. O resultado é previsível e apenas políticos cúpidos e insaciáveis fingem não saber que haverá mais favelização, mais violência urbana, mais desordem, mais criminalidade. Aliás, eles sabem disso e tanto sabem que, com as empresas coreanas, já providenciam outro presídio. Prevenir faz parte do jogo.

O mundo inteiro – em especial os países mais desenvolvidos, que aprenderam a lição dos abusos e do desrespeito – investem em busca de novas formas de energia, produzem veículos cada vez menores e menos poluentes, tornaram-se mais atentos à produção de transportes coletivos de ponta. Em Piracicaba, os “competentes”, mas cada vez mais ambiciosos e cúpidos governantes, mergulham com tal sofreguidão à exploração do que ainda resta de limpo que nos dão uma certeza: eles sabem que estamos nos últimos tempos de uma economia selvagem, e sabem que restam poucos e últimos lugares de estupidezes globais e, por isso, aproveitam-se do tempo que sobra e de lugares ainda com dignidade e decência de vida comum. Piracicaba era um desses últimos lugares, cidade que, ao longo de dois séculos, manteve a sua integridade histórica. Trazer indústrias automobilísticas que constroem imensos carrões é, no mínimo, um atentado à inteligência de um povo e se aproxima de um crime de lesa cidade.

Desgraçadamente, o espírito crítico de Piracicaba está adormecido ou acovardado. Na Câmara Municipal, há duas ou três exceções que falam no vazio e são vistas como inimigos da administração. A imprensa parece ter perdido o senso de dever, com uma que outra honrada exceção. O povo não vê, o povo não fala, o povo não ouve. Tudo mudou, é verdade. Piracicaba assistiu a ciclos formidáveis de imigrações: italiana, japonesa, árabe, espanhola. Acolheu e acolhe o imigrante e o migrante, especialmente porque sempre tivemos estrutura para exercer a solidariedade. Hoje, não temos mais estrutura sequer para a nossa gente sobreviver em paz. Já há sinais claros de luta de classes, o povo separado do universo dos privilegiados.

Mas banqueiros e empresários, amigos do Executivo, pouco se importam com o que acontece com o povo, mesmo porque sobrevoam a cidade ou se refugiam em condomínios de altíssimo luxo. Irão querer – apostamos nisso – que até escolas nossas mudem sua pedagogia e currículo para criar cursos internacionalizados que sirvam a famílias de executivos com rápidas passagens por Piracicaba. Eles não chegam para ficar, chegam para aproveitar. E, depois, vão-se para suas origens, deixando a devastação atrás.

A “Noiva da Colina” – que foi também Ateneo, Atenas Paulista, Florença Brasileira, Pérola dos Paulistas – começa a ser a “Korean City”. Com um novo presídio para evitar dissabores que todos sabem hão de vir. Os bolsos de poucos enchem-se. A vida de milhares de famílias esvazia-se de um lugar de viver, de uma cidade que foi exemplar. O bico dos tucanos destila saliva de tanto prazer e apetite. A alegação de que haverá mais impostos é infame, pois não irão compensar o alto custo da qualidade de vida, da educação, da segurança, da saúde de todo um povo. E, também, porque impostos, hoje, são arrecadados para orgias político-administrativas que, houvesse um Ministério Público realmente atento e uma Câmara de Vereadores altiva, os surdos de hoje ficariam estarrecidos. Bom dia.

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