Maldição de celulares.

Parece ser parte de nossa tragédia humana a capacidade de transformar bens em males, benefícios em malefícios. A beleza e as maravilhas da ciência e da tecnologia acabam, muitas vezes – para não dizer que quase sempre – conduzindo-nos ao ruim, quando se esperava ir-se em busca do melhor. Aconteceu com a pólvora, que se transformou em arma de fogo; com o desvendamento do mistério nuclear, que se tornou a mortífera bomba atômica. E desconfio estar acontecendo – pelo menos em relação aos incômodos que me causam – com o telefone celular.

Lembro-me, de minha infância, quando, nos livros de aventura, surgiam realidades que pareciam impossíveis àquele tempo. Eram os instrumentos do Flash Gordon, as narrativas de Júlio Verne, os aparatos com que humanos voavam pelo universo e se comunicavam entre si, sem fios e sem postes. Nunca imaginei pudesse, um dia, estar vivo para saber que tais invencionices se tornariam reais. Sobrevivi, vi, ainda vejo. E tenho até medo de, vivendo um pouco mais, chegar a ver descobertas ainda mais espetaculares, mas que se transformem em males terríveis, como as possibilidades abertas pela clonagem.

O fato é que, de um grande bem, conseguimos fazer males sem fim. O telefone celular é, no meu entender, uma das grandes maravilhas dos tempos, um dos símbolos da inteligência humana em sua capacidade para criar, produzir, desvendar a natureza. Mas, aqui entre nós: já não estou aguentando mais esse furor que sacode as multidões, a loucura dos celulares, a invasão deles em todos os ambientes, lugares, espaços, além de sua indiferença ao tempo. Pois não há um segundo sequer do dia, até mesmo na madrugada, em que, em algum lugar, não se esteja ouvindo os tinidos, grunhidos, rugidos e rangidos de um telefone celular. Acho que virou doença. E parece que há até mesmo médicos especializados em detectar e em tentar curar o “vício dos celulares e computadores”. O ser humano é de uma fragilidade espantosa.

Um dos meus receios, nos últimos tempos, é que – numa época de tantas tragédias, maremotos, terremotos, tsunamis – venhamos a conhecer uma inesperada e, portanto, não prevista modalidade de fim de mundo. Quero estar entre o os primeiros a detectá-la, a prevê-la: o mundo terminará com o soterramento da humanidade por uma avalancha de telefones celulares. Pois já são tantos e tantos milhões, continuam multiplicando-se de maneira de tal forma assombrosa que não haverá mais espaço ou lugar na face da terra para acolhê-los. Haverá, então, uma gigantesca montanha de celulares cobrindo as cidades, os campos, todos os lugares, cobrindo montanhas, afastando as águas de rios e mares – que, enfim, não sobrará ser vivente para contar a história.

Há poucos dias, participando de uma reunião íntima, sentei-me à mesa onde estavam duas jovenzinhas conhecidas. Pensei em conversar, em aprender alguma coisa a respeito daquilo que pensa e almeja a atual juventude. Desisti. Ambas estavam com seus telefones celulares e ora falavam, ora ouviam os que lhes telefonavam, liam mensagens, enviavam outras, consultavam não sei quê, clicavam, voltavam a clicar, resmungavam algumas palavras. Entendi, enfim, que era a maneira de elas conversarem. Era isso mesmo: elas estavam conversando. Fui-me, então, embora, para não ser intrometido. E pensei num netinho meu com quem não consigo trocar duas palavras. Pois ele sabe articular apenas dois sons: “hmmm, hmmm.” De um bem formidável, o telefone celular tornou-se uma maldição, penso eu. E bom dia.

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