Meu céu poluído

Céu poluídoHá alguns anos, o prefeito de uma cidade checa, de comum acordo com o seu povo, baixou um decreto: por uma noite, não haveria luzes artificiais. Nem nas ruas, nem nas casas. E, assim, a população poderia olhar um céu apenas estrelado, sem a poluição de lâmpadas elétricas. Às escuras e apenas sob a luz do luar e das estrelas, a população se deslumbrou.

À época, senti-me ainda outra vez privilegiado. E rendi graças. Pois, nos fundos de onde ergui minha morada, havia apenas chácaras e sítios. E, à noite, havia um pedaço de céu sem qualquer poluição de iluminação elétrica. Podia-se ver um espaço de estrelas cintilantes, de luares azuis. E, na Lua Cheia, tudo se tornava ainda mais azulado. Deitar na grama, ficar olhando aquele espaço como que intocado eram momentos que levavam a reflexões profundas, a uma inevitável aceitação de haver um Criador artista, de bom gosto inimitável.

Lembro-me de uma amiga de nossos filhos que se emocionava de forma comovedora. Morando em São Paulo, num apartamento, ela não conseguia ver o céu, nem de dia, nem de noite. Tudo estava imerso em nuvens de poluição. E a moça se angustiava, pois nascera numa cidadezinha de Goiás e sua infância, ela a vivera em meio à natureza, sob céus límpidos, translúcidos. Então, ao nos visitar, ela ficava sempre no mesmo cantinho, para ver a claridade do céu azul durante o dia, e a maravilha daquele festival de estrelas. E ouvir o silêncio, o silêncio.

Mas a devastação imobiliária chegou. Com uma fúria animal e apetite insaciável. Chácaras, sítios, pequenas plantações, matas quase que sagradas foram dizimadas. E monstros de ferro e de tijolos – ao estilo daquelas habitações soviéticas dos tempos de Stalin – começaram a se erguer, lembrando a lenda da Torre de Babel, a insanidade de se atingir as alturas. Uma torre de telefonia ergueu-se toda soberana, como se estivesse anunciando e prenunciando: “Humanos tolos, humanistas estúpidos: que idiotice é essa de ainda acreditarem em belezas, em natureza, em céus estrelados, em silêncio e paz? Agora, somos nós, os deuses da economia, que mandamos. O deslumbramento rima com uma só palavra: faturamento. E beleza apenas rima com riqueza. O ser humano não passa de  um detalhe.”

Ainda dá para ver – e continuar deslumbrando-me – com aquele pedaço de céu, agora agonizante.  E percebo estar sendo, apenas, um espectador apaixonado por uma peça que vê chegar o fim da temporada. O circo vai-se embora. O teatro irá acabar. A peça mágica já se despede. E toda aquela pintura – feita com pincéis de um artista divino – se desgasta com borrões e menosprezos. Sei que são os últimos tempos de meu céu feito de fascínios. E me preparo para conviver com um pedaço de céu também poluído. Bom dia.

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