Nada a dizer

Nada a dizerDesde que comecei a escrever essa coluna, fui, honestamente, alertando os eventuais e possíveis leitores: não sabia porque o estava fazendo. Pois não há mais nada a dizer ou a escrever. Ou, pelo menos, não o tenho eu.

O meu querido Lino Vitti, em sua generosidade amiga, me saudava como seu companheiro de página, dizendo, talvez, o que mais me parece verdadeiro a meu respeito: “ele continua buscando seu lugar no mundo.” Acho que é por aí. Por isso mesmo, nada mais tenho a dizer. E me espanto quando me deparo com quem tem a dizer tantas e tantas coisas. Ora, por que essa gente não deixa as outras gentes em paz? De tudo o que li, estudei, aprendi e me foi ensinado na vida pouquíssima coisa teve importância. E, de tudo isso ou de pouco disso, o mais importante foi a descoberta de que o ser humano, para ser humano, tem que ser tal como é, no que há de mais profundo em si mesmo, no mais fundo de si.

Sem aculturações, sem modismos, sem filosofias, sem escolas moralizantes. Alguém dirá: “ser bicho?” Pois é isso mesmo. Ser bicho-homem.

Certa vez, vi um temporal tão violento, mas tão violento, tão furioso e ilógico, que pensei comigo: “Isso é coisa de bicho, toda essa fúria.” Ora, essa é a fúria de Deus, de quem inventou o temporal, uma fúria de bicho. Vulcões, asteroides, galáxias, cometas, explosões de astros e de estrelas, tudo isso é o caos. A natureza é caótica, o universo é caótico. Logo, o homem é, também, caótico. E, portanto, fruto de um deus caótico. A vida, a partir do momento de seu início, é irrefreável, incontrolável, impossível de ser limitada. Por isso, é vida. Basta deixar, por algum tempo, abandonado o maior de todos os prédios do mundo. A pouco e pouco, de seus alicerces de cimento, de suas paredes de concreto, começarão as ervas e o capim a brotar, a crescer, a tomar conta do que a mão humana e a ciência dos homens construíram. Do útero da terra, nasce tudo. Isso é vida.

Lembro bem quando o ainda Papa João Paulo II foi à África e, de lá, mandou sua mensagem moral, educadora, doutoral, maior do que a própria vida: “Nada de camisinha-de-Vênus, nada de artifícios. A lei é a da castidade. E os povos da África têm que deixar de ser polígamos. Pela castidade, venceremos a AIDS.”

Isso me cansava, essa tentativa de controlar a vida, pois a vida são riscos.

É por isso que nada mais tenho eu a dizer. Há tantos que falam, que dão ordens, que são donos da verdade. Diante deles, dizer o quê? Bom dia.

*Publicada originalmente na Tribuna Piracicaba em 13/02/93

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