Obama e árabes caipiras

A alma das pessoas voa, caminha, até se ajoelha. O espírito dos povos, também. Há uma frase – atribuída a Victor Hugo – que, ainda hoje, me emociona: “Há momentos na vida em que, em qualquer posição em que esteja o corpo, a alma estará sempre de joelhos.” A alma fica de joelhos quando da prece, do agradecimento, do perdão, da alegria. A das pessoas e a dos povos.

Essa viagem do presidente Obama aos países islâmicos é alvissareira em todos os sentidos. Mas deveria servir, também, de reflexão aos piracicabanos, a esta terra que, desde o século 19, tem sido berço de uma convivência maravilhosa entre árabes e judeus, entre brancos e negros, islâmicos e cristãos. Aqui, houve amálgama de culturas, de crenças, de etnias. Para dizermos apenas de árabes, houve um milagre de fusões espirituais e a alma caipira e a árabe fundiram-se, eis-me aqui também como prova disso. Na Sociedade Sírio Libanesa não se sabe mais se eles são mais árabes, se mais caipiracicabanos.

Árabes, italianos, judeus, negros, alemães – raças e povos – viveram e vivem injustiças, opressões, pressões, preconceitos. Quase sempre, são os históricos conflitos entre civilizações e culturas. A geografia e a história nem sempre comungam, nos descompassos entre tempo e espaço, entre desejo e lugar. As culturas, caminhando por espaços, conquistam-nos ou são subjugadas. Civilizações podem ser influenciadas por culturas estranhas. Mas, também, podem destruí-las. Nem todo homem civilizado é culto; nem todo homem culto é civilizado. Choque de culturas e civilizações são, quase sempre, dolorosos. A sabedoria está em criar-se o encontro.

Há, em quaisquer pesquisas que façamos, verdadeiras pérolas dessa história dos povos árabes em Piracicaba, dos mascates caipiras. E foi de Nélio Ferraz de Arruda – ainda na minha adolescência – que aprendi a primeira lição da importância dos mascates árabes na vida cultural piracicabana. Eu me deliciava, espantado, ao ver um árabe, Manoel Chaddad, meu padrinho de batismo, cantando o cururu caipiracicabano. E, então, Nélio Ferraz de Arruda me contava dos mascates que perambulavam da cidade para a zona rural, dos sítios para a cidade, levando produtos, trazendo e levando cartas, notícias, como um elo entre o mundo rural e o urbano. Nélio os chamava de “os primeiros jornalistas, os mascates.” E eu pensava, com orgulho, no meu avô mascate, Ceicim , tentando imaginá-lo dando notícias e informando caipiras em língua árabe… E no outro avô, Gabriel, um dos primeiros presidentes da Sociedade Sírio Libanesa… Vivos estivessem, haveriam de dizer: “Árabes caipiras, com a graça de Deus.”

Há um livro de nosso Elias Salum que, penso eu, é um dos momentos em que a alma se põe de joelhos. Nele, há um preito de gratidão à terra, esta nossa Piracicaba, que acolheu os imigrantes árabes. Que judiou, que teve preconceitos, que teve ranços, sim. Mas que, na comunhão de culturas e não na imposição de uma sobre outra, estabeleceu a grande harmonia. O livro relembra e registra a grande participação dos descendentes dos povos árabes no desenvolvimento de Piracicaba, no comércio, na indústria, nas artes, na cultura, na culinária, na política.

Quando Obama leva o Ocidente ao Oriente, ele está, acredito, nada mais fazendo do que devolver, aos povos árabes, o preito de gratidão pelo muito que trouxeram às Américas, pelo muito que fizeram, no reconhecimento, ainda que tardio, de uma das mais antigas civilizações do mundo, mãe e mestra de todas as outras. Bush, um ignorante truculento, não sabia disso. Com Obama, há, realmente, novos árabes soprando. Pena não saiba, ele, dos árabes caipiras de Piracicaba. E bom dia

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