Os filhos da avó

Admito seja tolice ou ignorância minhas. O fato é que não mais sei porque as pessoas se casam. Ou para quê. Descarto o amor, pois já desisti de tentar entender ou de compreender o que seja amor hoje. Se, antes, era um sentimento complexo e quase indefinível, a sua banalização, agora, surpreende pela superficialidade. O amor implica renúncia, doação, entrega, comunhão, comprometimento. Onde e como encontrá-los, em tempos de individualismo cego e de egoísmo doentio?

Nem mesmo para uma realização física, afetiva e sexual, há necessidade de as pessoas se casarem. Já que se romperam regras,que se atropelaram normas, cada um faz como e o que bem entende, pouco ou nada lhe importando a comunidade. Casar-se, então, para quê? E por quê? E não me venham dizer que seria para constituir família, ter filhos. Não mo digam, que eu ficaria mais atrapalhado. Que família? E filhos, como tê-los, responsavelmente, se não houver solidez, segurança emocional e afetiva, entrega, opção preferencial? Fazer filhos não é o mesmo que tê-los como compromisso e generosidade, construção de toda uma vida. Fazer filhos é, quase sempre, bom e prazeroso. Educá-los e formá-los para a vida é árduo e exigente.

Dizem serem outros os tempos. Mas não acredito nisso. O tempo é o mesmo sempre. Outras são as pessoas, as circunstâncias, os contextos. É o homem que muda as estruturas, os costumes, os hábitos, a maneira de ser e de conviver. Nós, pois, é que mudamos quase tudo, sem saber, ainda, se para pior, se para melhor. Não há dúvida de que para melhor na qualidade de vida, nas conquistas tecnológicas, na locomoção, no bem estar. Isso implicaria, porém, a melhoria nas estruturas sociais e comunitárias, na convivência, no relacionamento entre as pessoas? Filhos estão incluídos nisso. E eles podem ser os maiores beneficiários ou as maiores vítimas.

Em número cada vez mais crescente, são as avós, hoje, as verdadeiras mães dos filhos dos filhos. Em nome da profissão, do emprego, de estudos, de aperfeiçoamentos profissionais, até mesmo de diversões, mães deixam seus filhos aos cuidados das avós. Não apenas por algumas horas, mas habitualmente. Quando não, deixam-nos entregues aos cuidados de escolinhas maternais, de creches, de berçários. Para que e por quê, então, ter filhos? A alegação de não ter tempo por força da profissão, do trabalho, do compromisso não se justifica. Pois a vida são opções, algumas delas totalizantes: o filho ou a profissão? Conjugar as duas preferências nem sempre dá certo, pois uma delas será prejudicada.

Duvido haja pais que conversem com o filho pelo menos meia hora diária. Não digo levar à escola, buscar, ralhar, a fala passageira do cotidiano. Refiro-me a conversar, a ouvir, a falar, olhos nos olhos. Meia hora apenas por dia, meia hora exclusiva. Deve haver. Esses pais, portanto, conversando meia hora por dia com o filho, estariam conversando três horas e meia por semana. Ou 14 horas por mês, menos de um dia. No ano, seriam 168 horas de conversa, 14 dias. Em 20 anos, esses pais teriam estado apenas 280 dias com seus filhos, na conversação, no diálogo, na busca de entendimento. Como é que se forma um homem ou uma mulher, ao longo de 20 anos, com apenas 280 dias de atenção? Diante da tevê, a média nacional é de quatro horas diárias.

Ter filhos não é apenas uma escolha individual de um casal, um direito. Ter filhos é – hoje e cada vez mais gravemente – uma responsabilidade social. Pois não temos ou criamos filhos para nós mesmos, mas para o mundo, para a comunidade. Eles estarão convivendo com outros, ao lado de outros, participando com outros. A civilização é esse encontro de pessoas debaixo de regras, de normas que alcançam a todos. Filhos desamparados, mal criados, mal amados tornam-se não apenas problemas familiares, mas problemas sociais muitos dos quais gravíssimos. Felizmente, ainda e por enquanto, eles têm sido filhos das avós, mas isso não é justo e nem natural. Mas até quando?

O mundo está cada vez mais povoado de uma população carente, infeliz, despreparada, nascida por acidente ou formada em condições desumanas. Estados, como a China, já legislam sobre a decisão de casais quanto à procriação. Dia virá em que, universalmente, casais serão avaliados em sua capacidade para se responsabilizar por filhos. Seria justo e inteligente. Irresponsáveis não poderiam procriar. Ora, se para adoção de crianças, exige-se essa capacidade integral, por que não exigi-la de casais que desejam filhos apenas por egoísmo?

Hoje, ainda há avós para cuidar dos filhos dos filhos. Amanhã, pais de hoje não saberão ser avós.

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