Parceiros

Ele já se me tornou amigo. Velho amigo, tantos anos convivemos, o encontro semanal. Ele cuida de meu jardim, fico opinando. Nos momentos de cansaço, sentamos quase sempre no mesmo banco de pedra, conversamos. Antes, fumávamos. E, então, dizíamos filosofices e olhávamos a fumaça ir-se pelo ar. Agora, vemos passarinhos, nuvens no céu. E inventamos de saber coisas. Ou admitimos nada saber. Pois, ora, quem pode explicar — a não ser físicos e religiosos — que um beija-flor paire no ar? É milagre.

Meu velho amigo traz-me, semanalmente, notícias de sua mulher, também minha velha amiga. Ele diz: “Minha esposa…” E repete: “Minha esposa…” E insiste: “Minha esposa…” De quando em quando, eu lhe pergunto: “Você é esposo dela?” Ele não admite, corrige-me: “Não, sou marido dela.” E insisto: “Portanto, vocês dois são marido e mulher, mulher e marido.” O jardineiro reage: “Não. Eu sou marido dela, ela é minha esposa.”

Pois bem. Na mania de colocar chifre em cabeça de cavalo, quase me arrisquei a transformar em croniqueta umas quantas divagações em torno de palavras. Por exemplo: por que tanta resistência em chamar mulher de mulher, como se a palavra fosse obscena ou maldita? Desisti, felizmente, já ao início da vã reflexão. Mas guardo comigo a sensação esquisita: dar o nome de esposa à mulher casada é, de algo forma, não querer vê-la fazer-se mulher por inteiro. Acho, mas sei lá. Pois esposa era, no sentido original da palavra, a prometida, a noiva, aquela que iria para o casamento. E esposo, também: o moço em véspera de se tornar homem por inteiro, o marido de uma mulher. Fico por aqui. Para não dizer que, talvez, haja esposo demais e marido de menos; esposa por inteiro sem ter sido mulher.

Na verdade, a intenção era dizer das belas lições de um livro que é um mergulho na história da mulher casada e, portanto, na história da própria humanidade. A autora, Marilyn Yalom — renomada estudiosa de Stanford — foi em busca do “papel da mulher casada, dos tempos bíblicos até hoje” A tradutora diz tratar-se da “história da esposa, da Virgem Maria a Madonna”. Usem-se palavras diferentes, adotem-se subterfúgios, nada disso importa. O importante, penso eu, está na obra em si, no trabalho monumental, fascinante. Como seria e como será essa “nova mulher casada”, imersa no mundo do trabalho e ainda guardiã do lar e da família? Enfim: o casamento, o que é, em que se transformou?

Para aguçar a reflexão, a autora retoma, ao final das quase 500 páginas, um pensamento de Mark Twain: “Nenhum homem ou mulher conhece o verdadeiro amor até completar cerca de 25 anos de casados.” Mas quantos chegam a essa quase eternidade a dois? Marilyn Yalom deixa-nos um raio de sol, réstias de esperanças, horizontes abertos que — sem saber porque o faço — transcrevo em homenagem aos que acreditaram no amor como aprendizado. E aos que desistem logo ao início da jornada. Palavras da escritora:

“Na cerimônia de casamento, quando o casal aceita ‘viver junto na alegria e na tristeza’, pode-se antecipar um pouco deste cenário de lágrimas. Ataques do coração, tragédias, doenças e morte fazem, invariavelmente, parte do casamento, especialmente quando os cônjuges já têm uma certa idade. Então, um dos parceiros é particularmente grato pelo apoio e amor de uma parceria longa — alguém que se lembra como você era antes e continua a cuidar de você como é agora. Ser uma testemunha íntima da vida de uma outra pessoa é um privilégio que se pode apreciar apenas com o tempo. Ter enfrentado as tempestades do início e da metade do casamento — o tumulto das crianças, a falta de lealdade de um ou ambos os parceiros, a morte dos pais, a luta para criar os próprios filhos — pode criar uma união inesquecível com a pessoa que compartilhou toda esta história com você.”

Quem sobreviver, verá.

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