Pergunta que não quer calar
O mais grave desserviço – para não se falar em tragédia cívica – que a classe política tem prestado ao Brasil é a desesperança na democracia. A safadeza geral – e safadeza é a palavra mais suave para qualificar o estado de corrupção desenfreada – devasta os alicerces espirituais da sociedade e do cidadão individualmente. Quando os representantes se mostram indignos, não há mais em quê acreditar. E, então, a terrível pergunta que deixa de ser de poucos para, aceleradamente, se tornar de quase todos: para que servem vereadores, deputados, senadores? Para que Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas, Congresso Nacional, se se transformam em verdadeiras “cosanostras”?
A democracia, apesar de todos os defeitos de instituições humanas, é uma conquista da civilização. No entanto, não pode se confundir com arremedos democráticos, com capas que escondem formação de feudos, de capitanias hereditárias, de grupos privilegiados. Os partidos políticos literalmente não existem no Brasil, pois são feudos de poucas pessoas ou de grupos. O PT foi uma experiência democrática que empolgou a nação, mas que se desmanchou também no mar de corrupção que se estendeu pelo país. Como acreditar que PSDB, PMDM, DEM, sejam realmente partidos políticos se são comandados sempre pelos mesmos homens e pelos mesmos grupos, novos coronéis? Não precisamos ir longe: em Piracicaba, quem são, ainda, os caciques dos partidos, homens e mulheres que não se renovam há mais de 30, 40 anos? Como suportar que, entre outros, Orestes Quércia, Paulo Maluf, Fernando Collor, Renan Calheiros, José Sarney sejam, ainda, vestais da política brasileira?
A pergunta que não quer calar é grave, séria e perigosa: para que servem os políticos? E outras que derivam da mesma: por que um Poder Legislativo, se se trata, quase sempre, de apêndice do Executivo; por que partidos, se os eleitos não respeitam compromissos e mudam de siglas como se mudassem de camisa ou, então, mudam da oposição para a posição com um simples aceno de benesses? Veja-se, em Piracicaba, o caso de um sindicalista metalúrgico, também vereador. Passou a ser como que um serviçal do Executivo e de empresários, bastando atentar para as homenagens que presta, os títulos que concede, os agrados que faz a poderosos. O povo está órfão e sabe disso. O povo não tem representantes e começa a movimentar-se por si mesmo, o que é um bem democrático, mas, também, pode se transformar num rastilho de pólvora de protestos e de indignação incontrolados.
A classe política não quer perceber, pois é-lhe cômodo permanecer nessa insensibilidade moral dos que se encastelam em seus privilégios, mas esse desrepeito ao povo se transformou na mais grave questão moral do Brasil. Pois a desordem política não é apenas institucional, mas de ordem moral. Mais do que imoralidade, estamos diante da amoralidade e isso é ainda mais grave: a amoralidade é ausência de conceitos, de valores e de princípios. Está acontecendo no Poder Legislativo em todos os níveis. E, a partir dessa ausência de senso moral, não há qualquer motivo para esperanças. Um povo sem esperanças é capaz de tudo. A pergunta que não quer calar pode levar este país a outra tragédia institucional, como as anteriores, que redundaram em tiranias insuportáveis. Pois não ouve quem não quer ouvir esse lamento perigoso e assustador: há quem já esteja com saudade dos militares e são incontáveis os que, por desesperança e cansaço, aplaudiriam equivocadamente a anulação das casas legislativas. A desordem moral se aproxima do precipício. Bom dia.