Quando “arrebentava a Aleluia”

picture (31)Levei um susto – confesso que agradável – ao ler que o Papa Bento XVI proclamou a existência de novos pecados, pecados da era eletrônica. Ora, não sei se pecados são proclamados, mas sei que papas proclamam. E fiquei contente. Pois, em minhas perplexidades, pensei não mais existisse pecado no mundo, que o pecado fora abolido. Sou a favor de pecar, pois, em sendo de pecadores, o que seria a humanidade se não pecasse? Quanto a mim, preciso do pecado para me sentir vivo. Se eu não pecar, que estou fazendo no mundo e na vida?

Bom, bom de verdade, foi quando quase tudo era pecado. Sábados de Aleluia eram a ressurreição de tudo: de Cristo, de nós mesmos, de cada pessoa, de cada criança no quarteirão da rua onde morávamos, a São José, quase em frente ao antigo Cine Broadway. Os pecados deviam ser tantos – lembro-me apenas de alguns, como o de espiar quartos, buraco de fechadura de banheiros – que Sábado de Aleluia parecia, muito mais, um sábado de Carnaval, tal a alegria, tal a festa, os postes com bonecos de Judas, pobre diabo, que eram malhados. Em Judas, estavam os pecados de todos nós. E, então, a perplexidade: Cristo morrera para nos livrar dos pecados, mas Judas era malhado por causa da morte do Filho do Homem. Ora, se Judas não traísse, Cristo não teria sido morto e crucificado. E não haveria Ressurreição. Logo, Judas é parte nessa história da Salvação. Por que, então, malhá-lo nos postes?

O fato é que, de minha parte, tenho saudade, muita saudade, das manhãs de sábados de Aleluia. O mundo voltava a girar normalmente. O silêncio das ruas desaparecia. E, no rosto das pessoas, a tristeza formal e obrigatória era substituída por alegrias de alívio, certamente pelo fim de jejuns, pelo encerramento de contenções, de obrigatórios sentimentos de culpa.

Ainda aos meus seis anos, eu já sentia culpa, muita culpa. Nunca soube exatamente do quê, mas eram culpas. Era um mundo mais definido e de jogos com regras mais explícitas: ainda havia pecado abaixo do Equador. E acima. Um político corrupto era estigmatizado e até os ladrões profissionais eram famosos por sua singularidade. Adhemar de Barros e Iedo Fiúza tinham seus rostos pintos nos bonecos de Judas, a serem malhados nos postes. E Meneghetti, o grande e poderoso ladrão, era comentado como se fosse Ali Babá ou Robin Hood. Lembrei-me de um pecado de minha infância: eu torcia pelo sucesso do Meneghetti, que entrava nas casas das famílias poderosas como se fosse o Homem Aranha.

O principal, no entanto, das manhãs de sábados de Aleluia era a expectativa pela chegada das 10 horas da manhã. Era a hora mágica, a hora de “arrebentar a Aleluia”, pois, naqueles tempos, a “Aleluia arrebentava”. E arrebentava no céu. Era algo tão poderoso, tão formidável, de luz tão intensa que as crianças – pelo menos as do meu quarteirão – tinham que ir às calçadas com uma canequinha de água nas mãos, água com promessas milagrosas. Pois, se olhássemos para o céu na hora da “arrebentação da Aleluia”, a luz intensa da Ressurreição de Cristo poderia nos cegar. Criança, para não ficar cega, passava água nos olhos.

Acho que meus conflitos de fé começaram em sábados de Aleluia, na hora de “arrbentar a Aleluia”. Pois, sempre olhei para o céu, vi a iluminação da manhã e não fiquei cego. Era pecado olhar. Pecar, pecava. Mas sem ficar cego. Agora, Bento XVI proclama novos pecados. Já estou gostando deles. Bom dia.

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