Receber o que se merece

picture (50)A morte da menina Isabella também não me sai do pensamento. A tragédia me instiga à tentação de rever conceitos que me pareciam enraigados, entre os quais o de justiça. Por que não a Lei do Talião, a dos hebreus do Velho Testamento, “dente por dente, olho por olho.”? No caso de Isabella, seria simples: quem a brutalizou e a atirou do alto do prédio seria, também, brutalizado e atirado do alto do prédio. O verdadeiro nome da justiça, na verdade, é vingança.

Mesmo pareça contraditório, digo sentir-me, a cada dia que passa, mais compassivo e, ao mesmo tempo, mais intolerante. Compreendo situações, até mesmo entendo comportamentos, mas passei a ter intolerância plena em relação a muitos deles. Compreender não é aceitar. Ser compassivo nada tem a ver com ser bonzinho, pois estamos sofrendo as conseqüências catastróficas de uma sociedade de bonzinhos. Bondade sem justiça quase sempre é conivência.

Há o grande dilema entre ser bom e ser justo. Pois o ser humano, querendo ser justo, nem sempre é bom. E, quando quer ser bom, nem sempre é justo. Refugio-me, então, em Agostinho de Hipona, por cujo pensamento filosófico me encantei em definitivo. Ele nos deixou a fórmula do equilíbrio: a caridade justa, a justiça caridosa. Agostinho não fala de bonzinhos.

Não mais suporto condescendências covardes que se escondem por trás de desculpas esfarrapadas em defesa de equivocados direitos humanos, de movimentos grevistas chantagistas, de invasões atentatórias ao Direito, de sistemas de cotas e de protecionismos. Destrói-se a meritocracia e estimulam-se a fraqueza e a incompetência. Criamos situações injustas em nome de falsos direitos. A afronta à legalidade institui a lei das selvas, que acolhe uma nova versão da Lei do Talião, exercida, porém, por bandidos. Nas ruas, aumenta a sanha por linchamentos. E a história já nos revelou como a indignação dos desesperados é destrutiva.

A compaixão permite entender situações, carências, injustiças, especialmente por quem já as viveu na carne e na alma. Curtido pela longa vivência quase posso repetir Terêncio: “nada do humano me é estranho.” Por isso mesmo, aprendi a estabelecer os limites do tolerável. Compaixão é partilha, a compartilha da dor. Não a cumplicidade com a malandragem, com o vício, com o erro. E os nossos são tempos em que a covardia e a fraqueza morais nos empurraram ao beco quase sem saída da irresponsabilidade. Pois irresponsável e tolamente, relativizamos tudo em perguntas idiotas: o que é o erro, o que é errado, o que é certo? Se se perdeu essa consciência, o homem não tem condições sequer de ter carteira de motorista, por irresponsabilidade moral.

Tem que ser plena a intolerância com a malandragem, com a corrupção, com as bandalheiras, com farsas ocultas em meias-verdades, em falácias, em sofismas das quais grande parte dos meios de comunicação compartilha. É frágil o país que aceita conviver, ao mesmo tempo, com as insuportáveis provocações de pérfidos movimentos organizados e com a também insuportável banalidade de um programa como Big Brother. Queremos a civilização da desordem e da vulgaridade?

De minha vida social, aboli alguns cumprimentos hipócritas, como o de desejar felicidades às pessoas em datas especiais. Agora, os meus votos são sempre os mesmos: “Que você tenha o que merece.” Compassivo, mas suficientemente intolerante para não ser cúmplice. Democracia é um ideal; oclocracria é governo da ralé. Bom dia.

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