Se estivesse em Piracicaba…

Vou contar algumas histórias bobas e tolas. Quem quiser entender que as entenda. Eu estava em Nova York e me apareceu um desgraçado de um olho-de-peixe na sola do pé. Eu não conseguia andar. E há algo mais irônico e triste que um caipira, indo jantar no Le Circle, com o pé mancando, arrastando-se por um salão feito de impactos e de deslumbramentos? Pois me aconteceu. Eu não conseguia andar, no que havia de mais sofisticado em Nova York.

Então, levaram-me a uma das lojas do “Dr. Scholl”. E, da loja, mandaram-me a um hospital. Fiquei deprimido. Se eu estivesse em Piracicaba, telefonaria ao Dr. Joaquim Francisco e ele me diria: “Vá lá na Proderma e mande fazer uma pomada de tuia. Num tem erro!” E não teria.

No México, tive disenteria. Completa, absoluta, total. Ninguém me atendeu. Fiquei no hotel, pedindo socorro, esvaindo-me, vendo a morte chegar-me, ironicamente, a partir de minha própria barriga. Ninguém me socorreu, mas se fosse aqui em Piracicaba, eu teria telefonado para o Marcelo Trica e ele me falaria: “Faça uma papinha de amido e coma bolacha-de-sal. Ou, então, tome um chá de broto e goiaba. Pra caganera não há nada melhor”. E a morte estaria estancada.

Diferente foi em Buenos Aires. Meu amigo companheiro de quarto… Há algo mais cruel do que ser traído pelo companheiro de quarto? Roubou-me os óculos, a carteira, os documentos, num momento de loucura ou de embriaguez, sei lá eu. O fato é que cego, sem dinheiro e anônimo fiquei a mercê de investigadores de polícia, do gerente do hotel, de funcionários do consulado. Todos eles queriam o meu amigo que me roubou, sem perceber que meu amigo estava louco ou embriagado. Se fosse em Piracicaba, eu teria telefonado para o Rodolpho Gatti: “oi, me roubaram os óculos, estou cego”. E ele me falaria: “Num esquente. Tô mandando outro par pr’ocê, já, já”.

É o umbigo enterrado. Uma cidade seja qual for ela, no mundo somente sobrevive, persiste, mantém-se, a partir dos umbigos enterrados, do primeiro dente que ficou no telhado, que foi enterrado, que guardou num papel celofane.

A crise de Piracicaba em meu entender aconteceu quando para cá vieram tantos e tantos migrantes, saudosos de próprios umbigos em outras terras.

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