Sedução de shoppings

Fôssemos sábios, haveríamos, desde pequeninos, de falar pouco, o mínimo necessário. É a esperta constatação dos antigos: “boca fala, boca paga.” O certo, pois, seria fazer a “boca de siri”, a “bouche cousue!” dos também espertos franceses. Quem muito fala está sujeito, mais vezes do que outros, a quebrar a cara. Quebrei muito a minha.

À chegada dos “shoppings centers”, lembro-me de meu inconformismo diante da febre, do modismo, da quase loucura que se apoderou das pessoas. “Ir ao shopping” começava a fazer parte da vida da mesma forma como assistir à tevê, comprar pão na padaria. Os que tínhamos sido comunistas, socialistas, sei lá que raio de outro “ismo” qualquer, repudiávamos os “shoppings” da mesma forma como havíamos repudiado a Coca Cola. Para ser franco, até hoje não consigo beber Coca Cola, resquício de herança ideológica. Frequentar “shopping”, o “templo do capitalismo”, era o mesmo que consumir a bebida de Tio Sam, “l´acqua nera” do imperialismo. Até aqueles radicais neurastênicos do antigo PT iriam acabar frequentando “shoppings”, cheguei a apostar.

Mordi, pois, a língua. Pois me rendi aos “shoppings”, mas os frequento apenas em cidades para onde viajo, raramente por aqui. É uma das mais esplêndidas contribuições do capitalismo selvagem para alimentar os mais desvairados sonhos humanos. Tenho amigos que trocaram os bares boêmios, de reuniões intelectuais ou de simples fofocagem – pela comodidade dos restaurantes dos “shoppings”. Há estabelecimentos que, inclusive, mandam motoristas buscar e levar os clientes. Bebe-se o chopinho, não se tem preocupação de dirigir, de enfrentar o trânsito e, até mesmo, de encontrar o carro no estacionamento. E, se o cliente quiser, pode deixar o carro que, no dia seguinte, o motorista do restaurante irá levá-lo à casa do cliente ou à casa, compreenda-se, que ele indicar. Afinal de contas, ninguém é de ferro.

Vivi essa experiência com amigos cariocas e gostei. Hoje, a minha inconformação está em ver shoppings acanhados, sem luzes feéricas e seduções capitalistas ou com pobreza franciscana. Shopping é espelho de árvore de Natal: tem que ser colorido, florido, espetacular. Não há, no meu entender, “shopping” sem escadas rolantes de um para outro andar, sem cascatas, sem elevadores panorâmicos. Festa é festa. E, se “shopping” é festa, ela tem que ser completa. Pois “shopping” não é mais apenas um lugar especialíssimo e refinado para compras até mesmo desnecessárias. Passou a ser, também, espaço de entretenimento, de lazer, de cultura. Não é preciso comprar nada, ainda que sempre se acabe comprando alguma coisa. Basta andar, ver, sentir, cheirar. Afinal de contas, qual cheiro é mais provocante do que o de pipoca à entrada do cinema?

Um cidadão em paz consigo mesmo, bem-humorado, passa o dia inteiro num “shopping” sem querer ir a outro lugar. Entra-se na livraria, folheiam-se livros e revistas, toma-se café. Sai-se, anda-se pelos corredores sem fim, vendo vitrinas e, acima de tudo, deslumbrando-se com a moçada bonita, sarada, maravilhosamente saudável e alegre. Toma-se sorvete. Vai-se ao cinema até mesmo, se for o caso, para dormir. Namora-se. Aguçam-se todas as gulas e, assim, o que não se pode comer com a boca, come-se com os olhos. Despertam-se desejos. Sonha-se de olhos abertos. Engana-se e se é enganado. Enfim, vê-se a realidade colorida, mentirosa, artificial. E se – lá fora e no mundo – a realidade é outra, que se dane o mundo. Portanto, “shopping” é delícia dos deuses.

Mas, em tempo: estou naquela fase em que adoro ser enganado. Bom dia.

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