Sem pudores, sem intimidades

picture (39)Tenho quase vergonha de dizer que nunca consegui ver revistas ou filmes pornográficos. E essa minha deficiência parece ser imperdoável, algo incompatível com os tempos. A questão, no entanto, nada tem a ver com moral ou alguma virtude. Trata-se, na verdade, de valor estético. Simplesmente, acho a pornografia feia. E o erótico, belo. Ora, gosto da beleza. Logo, a feiúra pornográfica me entristece.

Digo-as, essas coisas, pela confusão em que me encontro, quase sempre perplexo entre o público e o privado, entre o pessoal e o coletivo, entre o íntimo e o exterior. Ora, sou do tempo do “sanctum santorum”, dos dentros, dos reservados. Até – ora, vejam! – as zonas de meretrícios eram recolhidas, isoladas, discretas. E havia pudores tantos que, para diferenciar alguns de outros, se falava também em pundonores. Não se tratava de questões apenas semânticas, mas de significados e significantes. Pudores implicavam noções de decência, de modéstia, de dignidade, de respeito. O pundonor era tudo isso e ia além, envolvendo honra, brio, cavalheirismo. Para se ver que penso em coisas antigas demais.

Há pouco tempo, perguntei a um delegado de Polícia, meu amigo, se existia, ainda, a figura delituosa do “atentado público ao pudor”. Para minha surpresa, ele me garantiu ainda existir, que a legislação prevê ofensas públicas ao pudor. Fiquei ainda mais confuso, ainda mais perdido entre minhas perplexidades entre o público e o privado. As ruas são públicas, seriam privadas? Outro dia, aliás, li em algum lugar uma advertência aos bárbaros: “A rua é pública, não é privada.” Era um recado para que as hordas não a usassem desrespeitosamente. Pois aí está o grande segredo da diferenciação: uma pessoa tem todo o direito de esculhambar e destruir o seu bem pessoal, até mesmo seu quarto, seu banheiro. Mas tem a obrigação e o dever de respeitar o bem alheio e o público. Se quiser ser grosseiro em sua casa e a família o permitir, sejam-lhes feitas as vontades. Mas que se respeitem o bem comum, valores coletivos, um entendimento tão simples que quase me envergonho de lembrá-lo.

Portanto, havia pudores, havia pundonor. E, portanto, pessoas pundonorosas e pudicas e pudentes e pudibundas, palavra estranha essa última. Por sinal, as partes pudendas eram as que deveriam ser mais recatadas em nome da pudicícia. Atualmente, ficam tão à mostra que nada mais revelam de erótico, tornando-se pornográficas e com motivos pornofônicas. A libido masculina está murchando. Sem mistério, não há desejo.

Estas coisas, escrevo-as, ao lê lembrar da moça na farmácia. Vi-a saltar do automóvel, toda apressada, enquanto o companheiro a esperava à direção do carro. Ela entrou, examinou alguns preservativos, gritou para o rapaz: “Qual é mesmo a marca de camisinha que você usa?” Ninguém estranhou. Quanto a mim, fingi não ouvir.

Ora, camisinha é coisa inventada lá pelos chineses e, em sua primeira versão, era um tubo de papel de seda untado com óleo. No Egito, os homens cobriam a genitália com protetores de linho ou a partir de intestinos de animais. A Mitologia, porém, diz que a camisinha apareceu porque Minos, filho de Zeus, não podia gerar filhos, já que seu sêmen expelia escorpiões e serpentes. A mulher dele, Procris, esperta, inventou uma bexiga de cabra, protegeu-se com ela e colheu as malvadezas do sêmen furioso de Minos. Procriação vem de Procris. É “bene trovato”.

Agora, perdeu a graça. E bom dia.

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