Sortilégios e amuletos

pictureCerta vez, um dos filhos deu-me um presente estranho. Disse-me que comprado numa loja de artigos esotéricos orientais, na Liberdade. Era uma cabeça em cerâmica, a figura horrorosa sei lá se de homem, se de bicho. Preferi considerar fosse de gente, pois anda perigoso comentar coisas esotéricas.

Pensando fosse enfeite, quis deixá-lo numa de minhas mesas de bugigangas que quase ninguém entende porque as coleciono, mas eu sei. Há noites em que invento histórias com os bonequinhos. Tem três velhos que me aborrecem: um já veio embriagado de vez, não levanta a cabeça da mesa do boteco; outro, nariz empinado, parece observar o companheiro com desdém. E um terceiro, coitado, não se levanta de seu banquinho de jardim, o sanduíche que já deve ter esfriado, olhar distante, talvez à espera de algum amor, isso não sei. Com eles, pouca história dá para inventar. Mas há a bailarina, a vendedora de peixes, o casal de namorados, palhaços – uma festa. É como brincar de casinha.

Aquela carantonha horrorosa, no entanto, não era enfeite. Receando magoar o garoto, evitei perguntar se era coisa de bruxo, amuleto, abracadabra, abre-te-sésamo. E era. Devia ser. Tinha dois olhos mas apenas um funcionava, o esquerdo. No direito, um vazio. E era, segundo o garoto, o segredo: pintar o buraquinho do olho e fazer um pedido, apenas um. Daí, cada vez que se olhasse para o olho do bicho, devia-se insistir no que se pediu e ia-se insistindo a cada mirada. Achei cansativo, pois há coisas que, por mais se peça, nunca acontecem. Mas o menino confirmou: “Tem que esperar.”

Lembrei-me do I Shing, que funciona como tranqüilizante. Como nunca se sabe do que irá acontecer, andei estudando também o livro, até aprendi a provocar o oráculo com varetas. Preferi, porém, o prefácio do Jung ao próprio I Shing. Das bruxarias de São Cipriano, sei algumas. Em Fortaleza, um mágico tentou ensinar-me a jogar búzios, mas preferi o tarô. Pois, pelo que me contaram, búzios bons são os da Bahia, ainda não aprendi. De anjos da guarda, descobri coisas, mas até já esqueci.

O que, porém, me encantou de verdade foi o panteão nagô, com seus quatro compartimentos, os elementos naturais: água, ar, fogo, terra. Há uma impressionante metafísica do candomblé. Agora, porém, estou sem tempo. E ando tentando aprender com os espíritos ciganos, simpatias, receitas, jogos. É uma beleza. Tem a Zaíra, cigana espanhola – rapaz, que mulher poderosa! Aprendi a receita “para curar doenças da barriga de senhoras com pedras e frutas”. Misturam-se três peras, incenso de ópio, vela azul, embrulha-se num lençol, fala-se ser ótimo.

O fato é que o garoto deixou a cabeça do homem feio ao lado do meu computador. Lembro-me de ter riscado o olho com um pedido singelo: descobrir a origem do universo e o que é a alma dos viventes. Até agora, não tive respostas e nem mais sei onde foi parar o bicho. A lógica do sortilégio era a de que, quando o pedido fosse atendido, devia-se embrulhar o dito cujo numa caixinha e entregá-la a um amigo. Pensei em, quando a revelação me fosse feita, dar o amuleto ao Cerinha. Até hoje não sei se já lhe dei, se não. Como não sei a razão de voltar a escrever sobre essas coisas, justo em véspera de eleição. Talvez, para exorcizar os maus espíritos, sei lá. E bom dia.

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