Suspiro

picture (25)Tenho lutado para impedir que uma idéia ruim se transforme em convicção: a da inviabilidade do ser humano. Não consigo entender e ando com medo de pensar nessa dimensão demoníaca do homem. E no silêncio de Deus.

Há alguns anos, publicou-se – e sempre retomo o assunto – um longo estudo a respeito da formação e preparação dos mais cruéis guerreiros conhecidos, os mercenários do Nepal. Era apurada a técnica de condicionamento psicológico, de manipulação de consciência. Os rapazes iniciavam matando formigas. Em seguida, baratas, ratos, cães e gatos. À medida que se acostumavam, matavam animais de porte maior: bezerros, cabras, cavalos, bois. Depois, o primeiro homem. E, a partir do primeiro, o assassínio tornava-se ato banal. Mais do que ato, matar era atitude.

Tenho medo de pensar por não querer acreditar seja verdadeira tal manipulação da alma humana, a robotização do homem. O fanatismo religioso e político de terroristas não explica tudo. O horror se tornou mais um espetáculo de televisão, também manipulado. O terrorismo promovido por grupos pouco difere do terrorismo de Estado. As crianças que ficaram a mercê de bestas em áreas conflagradas são as mesmas crianças desprotegidas, vitimadas por bombas lançadas de aviões, por metralhadoras de soldados. Quando Bush fala em matar para defender valores democráticos, equipara-se a Hitler que matava em nome de valores religiosos e étnicos. O muro erguido por Sharon nada difere do muro de Berlim ou da própria cortina de ferro. Judeus matam em nome de Jeová, cristãos matam em nome de Cristo, muçulmanos matam em nome de Maomé.

Em nome de Deus mata-se, tortura-se, destrói-se. E Deus permanece em silêncio. É isso que me atemoriza, pois não vejo nada e ninguém que, diante dos ódios universais, possa fazer algo a não ser Deus. E Deus não fará. E nós ficamos órfãos, impotentes para fazer, incapazes para mudar. Por isso, não sei o que pensar. Na verdade, não consigo. Ou evito. Na Idade Média, os homens optaram pelo “contemptus mundi”, o desprezo pelo mundo, a fuga para os mosteiros, castelos, igrejas, conventos. Era o horror ao século, à carne, ao corpo, à realidade externa. O horror vinha das funduras do inferno, do pecado, do demônio. O homem enjaulou-se, cobriu-se de trevas, cultuando o espírito. Séculos passaram-se, permanecemos enjaulados, agora em condomínios fechados, verticais e horizontais, fugindo de demônios e de infernos modernos. A diferença: cultuamos o corpo, matamos o espírito.

Recentemente, divulgaram-se, pela internet, fotos sonegadas por jornais, revistas e tevês. Eram de crianças iraquianas mutiladas, braços e pernas decepados, vítimas de mísseis lançados pelos Estados Unidos. Ao terror sobre Nova York – no massacre das torres gêmeas – respondeu-se com o terror sobre o Afeganistão e Iraque. Em todos os lugares do mundo, está acontecendo a luta da da barbárie com a barbárie. Nenhuma lição de hecatombes e genocídios anteriores foi aprendida.

A tragédia humana escapa aos humanos. Inerte, sem saber o quê, como pensar, reflito sobre palavras que li há muito tempo, não me lembro onde, de qual autor. Dizia apenas: “A quem nada mais tem a dar, Deus não pede mais do que um suspiro de impotência.” Deve ser isso. Bom dia.

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