Tartaruga através da TV

Durante longos oito anos de minha vida fiquei morando na solidão de um lugar onde aprendi a conviver comigo mesmo, a encontrar-me e a reencontrar-me. Foram tempos férteis. Lembro-me de D. Hélder Câmara falando, em seu livro famoso, que o “deserto é fértil”. Não digo que o seja por si só. Mas pode ser, desde que nisso o transformemos.

A própria vida é assim: feliz ou infeliz, conforme a construamos. O fato é que, naquela solidão e silêncio, fui redescobrindo até mesmo animais de que me havia esquecido: cabras, bodes, vacas, bois, que ficavam pastando pelos terrenos baldios.

E as pessoas que me visitavam – especialmente quando chegavam com as suas crianças – mostravam-se, ao mesmo tempo, temerosas e espantadas com aqueles animais soltos pelas ruas e avenidas.

Vi crianças que conheceram, ao vivo, galinhas, bodes, vacas, bois, pela primeira vez, naqueles descampados. Só os conheciam da televisão. Até mesmo galinhas, havia crianças que pensavam ser coisa da “Maggi” ou de outra marca de caldo.

Na verdade, a televisão começava a se tornar maior do que a vida. Já havia uma nova geração que conhecia a realidade apenas através da televisão e, por isso mesmo, nem sabia dizer se o ódio e o amor são verdadeiros, se são ficção.

Ama-se e odeia se conforme a televisão, e tudo se transforma em violência. As coisas se tornaram de tal forma rápidas e passageiras que amor e ódio são, também, de um momento. Precisam ser resolvidos agora. Pois não sobrevivem, como se fossem capítulos de novela ou noticiário que se esgota com o seu simples anúncio.

Pois bem. Mudei-me daquela solidão, continuei ainda recolhido, mas em um lugar mais habitado, com vizinhos que cultivavam a solidariedade. As crianças eram como filhos de todos. Acontece que, uma vez, apareceu uma tartaruga em minha casa. E jovenzinha ainda: com 34 anos. E a tartaruga passou a ser a atração da rua. E a atração de quem nos visitava. Tornou-se brincadeira infantil, emocionante e alegre, procurar a tartaruga. Algumas crianças tinham medo de tocá-la, ficando, apenas, a observá-la à meia distância. Outras, no entanto, a carregavam no colo, banhavam-lhe a casca dura. Mas, para quase todas as crianças, a tartaruga era uma novidade, um bicho estranho, algo vindo de algum lugar misterioso.

Então, uma vez, um garotinho, que nunca tinha visto a tartaruga, entrou no quintal e, entre excitado e curioso, perguntou: “Onde está a ninja?” E , quando viu o animalzinho, excitou-se mais ainda: “É ela mesmo, e igualzinha à da televisão.” E saiu correndo para anunciar: “A ninja existe!” Pois é. Bom dia.

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