Um amor que não morre

picture (3)Pensei que meu amor pelo Corinthians tivesse morrido. Para mim – na maturidade da vida – parecera-me que a última das grandes paixões fenecera. E, no coração, ficara um vazio impreenchível, misto de tristeza e de decepção. Não tenho receio de dizer que, na sensação de ter-se acabado o amor, se fora, também, um dos apaixonantes sentidos de viver.

No domingo passado – quando, sobre o Brasil, caiu a tragédia inigualável, no tombo corintiano para a Segunda Divisão – descobri, finalmente, a imortalidade dos grandes amores. Pois o Corinthians estava vivo em meu coração, vivo feito uma chaga, a ferida que sangrava, a união visceral, paixão que ainda me corria pelo sangue, que me retesava e amolecia músculos, bambeando pernas, palpitando no coração, escorrendo pelos olhos em forma de lágrimas. Corinthians, minha vida! – eis o que me gritava a alma, limpando-se de mágoas anteriores, perdoando as traições e amarguras feitas por Dualibis, Kias e outros bandoleiros.

Um torcedor, em prantos, falou à imprensa brasileira: “Este dois de dezembro é o mais amargo dia de minha vida, pior do que quando minha mãe morreu.” Ele falou tudo. E não cometeu sacrilégio, não banalizou o amor por mãe. Pois – naqueles 90 minutos de heróica luta para evitar a Segunda Divisão – minha alma sofria junto a toda a imensa nação corintiana, pois sabíamos haver uma hecatombe, uma tragédia sem precedentes, algo pior do que a bomba sobre Hiroshima, pior do que os bombardeios sobre Bagdá, pior do que o ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque. O Corinthians está acima de tudo. E tem razão o torcedor alucinado: acima de pai, de mãe, de filhos, do país, do diabo que carregue todo o resto. Corinthians, amor desesperado, paixão desenfreada, loucura inexplicável.

Os cristãos, diante da Eucaristia, admitem contrita e respeitosamente: “O mistério da fé.” O Corinthians é mistério da vida, paixão prevista em todos os livros santos, de todas as religiões e credos milenares. Estava previsto: “Deixarás pai e mãe.” E é o que acontece nesse amor de idolatria, de adoração, de apego, de exaltação, de benquerença, de afeição, de entranhas, de devoção, de feitiçaria: pelo Corinthians, deixa-se tudo; pelo Corinthians, enfrenta-se tudo; pelo Corinthians, suporta-se tudo. Ser corintiano é sofrer no paraíso, desfibrar fibra por fibra o coração, dores do parto, ressurreição em cada gol, a eternidade em cada vitória, a morte definitiva em cada derrota. Mas é no Corinthians que está a compreensão final, definitiva, completa e incontestável do amor indissolúvel, um casamento eterno: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza. Até, verdadeiramente, que a morte nos separe.

É isso que estou, também eu, querendo dizer diante da tragédia que enlutou o Brasil: com o Corinthians, até que a morte nos separe. E que o Brasil se prepare para ver o renascimento de uma nação guerreira, invadindo campos de futebol, cidades, estados. Na Segundona, o Corinthians será a maior atração do futebol brasileiro. A Primeirona não tem mais graça nenhuma.

Vivemos, domingo, morte de dor. Sabemos, na segunda, termos ressuscitado para glórias e alegrias futuras. Amém. E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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