Reflexões no meu outono (XX)

FranciscoNem a celebrada jornalista Elaine Catanhede – conhecida também por sua sisudez – resistiu. E, em uma de suas participações na Globo News, exclamou, com alegria: “Esse Papa Francisco é apaixonante.”  Haverá por aí alguém – por mais indiferente ou amargo seja – que possa dizer o contrário? Pois esse homem já conseguiu vitaminar o mundo com doses maciças de humildade, de simpatia, de honestidade, de espiritualidade que parecem lhe transpirar pelos poros.  Francisco – como num passe de mágica ou exatamente pela magia de suas convicções – conseguiu como que arrancar um manto sombrio e triste que envolvia a Igreja Católica nos últimos tempos.

Quando, após o Concílio Vaticano II, o mundo anunciou e reconheceu a “Primavera da Igreja”, jamais se pensou que – com tanta vitalidade, com tanta alegria, com tanta ação – o novo movimento chegasse ao ponto de perder os rumos. Talvez, os sedentos de alegria e de vitalidade tivessem ido com muita sede ao pote. Ou, então, vaidades humanas, disputas estéreis e até mesmo a presença de lobos oportunistas tivessem conseguido impedir uma nova caminhada. Ou, no fim das contas, teriam sido providenciais o reajuste, a contenção, rédeas curtas, num momento em que a espiritualidade parecia ter-se tornado secundária? Não sei. Da mesma forma como não sei – ou ainda temo admitir – como surgiu, nessa história, um jesuíta com coração e nome franciscano: o Papa Francisco. É o anunciador de que a Primavera voltou. E nova, como toda Primavera que retorna.

O Papa Francisco – “Pai Francisco”, como favelados do Rio o chamaram – não está, apenas, dando sinais claros de transformações e de mudanças, de retorno aos verdadeiros princípios do cristianismo. Com seu testemunho – em coisas, gestos e atitudes simples – ele age e, agindo, comanda. E, comandando, seduz os que acreditam em sua mensagem. Ora, num mundo idiotizado pelo materialismo e pelo consumismo doentio, a humanidade nada mais quer do que resgatar o seu humanismo perdido ou aprisionado. E de humanidade é o que a greja Católica sempre entendeu, com sua mensagem cristã que – entre vendavais, temporais, terremotos, quedas e recuperações – é sempre nova quando renovada. Francisco fala disso e conclama a juventude a isso: ao amor, à fraternidade, à solidariedade, à comunhão, acendendo novas chamas nos corações dos leigos, que estavam apáticos, desiludidos e decepcionados. É notável: como jesuíta, começou a fazer a faxina; com coração franciscano, espalha amor.

Francisco está em processo de reformar e de mudar. A Cúria Romana – que aprisionou tantos papas – está em alerta. Não que ela seja desnecessária, mas porque tem, também, que ser expurgada. A história da Igreja – com dois milênios – revela que nada acontece por acaso. O tempo dela é diferente. Por isso, Francisco apenas poderia ter surgido – e lá venho, eu, com reflexões bem humanas – após a caminhada desenvolvida por João Paulo II e Bento XVI, homens que indicaram rumos para se por “a casa em ordem”. Com alicerces milenares, sim, mas com tintura nova. Sai o luto, entra a alegria.

Não há como deixar de ver que o Papa Francisco volta a abrir a porta da Igreja – antes apenas entreaberta – aos leigos. É a retomada do espírito do Vaticano II, em bases e tempos novos. Pairam no ar indícios de um redespertar de renovadas comunidades de base e, até mesmo, de uma moderna e expurgada Ação Católica. Tanto aquelas como esta foram, com o tempo, contaminadas pela política partidária e por ideologias conflitantes. No entanto, houve vida, houve serviço, houve participação. Com elas, a Igreja saiu das sacristias. E, talvez, tenha sido esse um dos problemas: prisioneira demais no bolor das sacristias, não soube conviver harmonicamente com o frescor do cotidiano do mundo.

A longa história da Ação Católica é complexa, complicada, conflituosa. Da mesma forma, a história das comunidades de base. Ninguém, no entanto, poderá negar terem sido elas – cada qual a seu tempo – propulsoras de uma profunda inserção do cristianismo no mundo secular. O olhar de Francisco para os pobres, para a justiça social, contra as iniqüidades e os equívocos do materialismo está indicando o caminho. E ele já deixou o fundamento da ação: no mundo dos descartáveis, o homem não é descartável.

Voltaremos a  Ver, Julgar, Agir?

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