Meus dias de “caminhoneiro”

Foi em 1959, ainda aos meus hormonais 19 anos. O mundo estava em festas, algo mágico que não sabíamos, ainda, virem a ser os “anos dourados”. E o Brasil parecia abençoado por ondas contagiantes de otimismo, de esperança. E de orgulho. Acreditávamos então, estar próximos do que nos havia sido predestinado: “O País do Futuro”. Naqueles anos, estávamos convictos de o “futuro ter chegado”.

Juscelino Kubtischek propusera-nos um sonho e acreditamos nele: a construção de Brasília. E, exatamente no  lugar onde  –  em visões e em 1883 –   São João Bosco previra ser  a “terra prometida”, “de riqueza inconcebível”, na qual “correria o leite e  o mel”. Hoje, não sei o que se fez daquele sonho ou se ele se tornou realidade apenas para poucos. Mas, naquele 1959, o Brasil tinha uma profunda fé em si mesmo. E o povo brasileiro – magnetizado pela energia de Juscelino, o nosso JK – manteve o entusiasmo que nos havia incendiado com a conquista da Copa do Mundo de 1958. A nova realidade era mais bela do que os nossos sonhos.

Admito ter vivido e ainda viver movido por delírios.  Pois, incendiado por aquela onda de civismo, tomei uma decisão irredutível: ajudar a construir Brasília! Derramar um pouco de meu suor para, pelo menos, erguer um tijolinho na “Capital da Esperança”, como a chamara o filósofo André Malraux. Um amigo, o Ronaldo Gerdes, fizera-se caminhoneiro e, frequentemente, fazia a viagem Piracicaba-Brasília. Implorei-lhe para  levar-me como ajudante. Meus pais desesperaram-se. “É loucura, aquilo tudo é só mato, lugar de aventureiros”.

Venci. E fui. Vi-me, ao longo do caminho, tomado por emoções para mim desconhecidas. Eram, quase todas, estradas de terra, de pó e lama,  mesmo em território paulista. Senti-me personagem  da Coluna Prestes (Luís Carlos) ou de Euclydes da Cunha, em “Os Sertões”.  Lá me vi percorrendo um Brasil de miséria imensa, diante do inimaginável. Eram  vilarejos como que saídos de telas de Debret. Meninas e adolescentes, à beira do caminho, oferecendo-se por um pedaço de pão. E mulheres envelhecidas, prostituindo-se. Banhávamo-nos em rios e riachos, barba por fazer. Dormindo na cabine do caminhão, comendo quando pudesse ou se houvesse comida nos cafundós. Os delírios tornaram-se angústias. E a esperança adquiriu nova forma: rebelião, horror diante de um Brasil desconhecido, faminto, esfarrapado, doente, machucado também  na alma.

Onde, em Brasília,  está o “Hotel Nacional”, ergui alguns tijolos. E lágrimas se me misturavam aos suores. Passei a ter por caminhoneiros, candangos, famintos, migrantes, desesperados, uma ternura imensa. E nojo, nojo perpétuo por aqueles que profanaram e ainda profanam o sagrado daqueles heróis, um templo  erguido  na esperança de uma nova Pátria. Ah! Como é bom delirar! E sonhar!

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