Igreja crê; universidade duvida.

Já se tem como superada a antiga discussão a respeito de incompatibildade entre fé e ciência. É possível, sim, a coexistência inteligente entre ambas. E é apenas essa a condição: haver vida inteligente. Pois o homem verdadeiramente inteligente admite possibilidades, não se contenta nem tão somente com o dogma, nem apenas com os limites da razão e a precariedade do conhecimento científico.

Por se tratar de inteligência, os problemas, no entanto, continuam e até mesmo se agravam, como ocorre, ainda agora, especialmente nos Estados Unidos, onde setores evangélicos insistem em alimentar a excludente “teoria criacionista”, construindo fossos profundos entre a fé e a ciência, barreiras intransponíveis. Há setores criacionistas radicais – exatamente de origem fundamentalista, cuja origem está em seitas evangélicas – que negam qualquer hipótese evolucionista, demonizando Darwin e todo e qualquer pensador ou cientista que admita outra hipótese que não as teorias do criacionismo.

Por estranho pareça, há – desenvolvido por uma maioria de cristãos fundamentalistas – um certo “criacionismo científico”, querendo provar que o universo foi criado por Deus da forma como está explicitado no livro do Gênese, um mundo feito em apenas seis dias e que não tem mais do que 8 mil anos de idade. O que a ciência prova em relação a fósseis e a milhões de anos de vida em expansão, nada disso tem importância aos criacionistas, que, com vigor de seu fundamentalismo religioso, já se infiltram em escolas, em universidades, em faculdades, irradiando-se, desde o início do século XX, a partir do Tennessee.

Há menos de dois anos, a Igreja Metodista brasileira rompeu com toda a histórica caminhada ecumênica, a busca de religiões cristãs encontrarem denominadores comuns e uma convivência respeitosa e pacífica. Temíamos, então, que tal radicalismo repercutisse na Universidade de Piracicaba, a Unimep, que foi, desde o seu surgimento, um exemplo extraordinário de pluralismo e de universalismo do pensamento, de idéias, de tendências. Ora, se a Igreja Metodista, por uma nova cúpula radical, se fechava ao mundo, como não admitir que isso pudesse ocorrer com a universidade da qual ela é Mantenedora? Que universidade pode ser digna desse nome se sua estrutura for filosoficamente fundamentalista?

Não levou muito tempo para se perceber que esse salvacionismo religioso se impusera à universidade e de maneira perigosa e melancólica. São fanáticos que assumiram postos de comando, retornando a situações messiânicas que fogem à razão, à inteligência e à inquietação científica. Dogmáticos não enxergam além das luzes que eles dizem ver em seus delírios e nem ouvem vozes que não sejam as de mensagens divinas. Nem às leis brasileiras eles respeitam, como que cumprindo a missão de destruir um templo antigo para construir outro, sem pessoas que pensem.

Quando se quer encerrar qualquer discussão inteligente, repete-se o que se dizia há algumas décadas: “A Igreja acredita, a Filosofia (ciência) pensa.” Logo, o pensamento passa a ser um perigo à fé, ao dogma estabelecido, às certezas absolutas. Um homem apenas de fé se dá o direito de acreditar sem pensar e ninguém pode desrespeitá-lo por ter renunciado à capacidade de avaliar, de questionar, de refletir. O que se torna inconcebível é que uma Universidade queira apenas acreditar, sem pensar. Pois universidades são lugares privilegiados do pensamento, mais de dúvidas do que de certezas, mais de inquietações do que de acomodações.

Entre tantos perigos que começam a destruir a Unimep, está essa visão fundamentalista de mundo, originária dos evangélicos do Tennessee. A propósito, foi no Tennessee, que Davi Barros e Rinalva Cassiano – sacerdote e sacerdotisa da nova universidade de mercado de uma igreja de resultados – especializaram-se em suas escolhas acadêmicas, no Peabody College, de Nashville. E dizer que a Unimep foi um dos principais laboratórios do pensamento democrático brasileiro nos amargos anos da ditadura…

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